O vento assobia e assusta. As luzes tremem. Alguns alarmes de carros disparam. A luz falta e volta novamente (como é de dia, só me apercebo disso porque o microndas apitou, dando sinal de voltar à vida). Já voltei as cadeiras do terraço duas vezes...deixa-las ficar, não posso guarda-las cá dentro, esperemos que não voem rua fora. Já me falta um vaso.
O vento assobia e assusta. A chuva cai miudinha, mas muito junta, como um bando de pássaros pequeninos, empurrados pelo vento.
Penso no mar. Deve estar revolto e com ondas assustadoras.
Fico feliz de não estar ao pé do mar.
Penso nos barcos no mar e nas mulheres dos pescadores e dos marinheiros. Penso em naufrágios.
O tempo puxa a desgraça, hoje, na minha sala cinzenta; a luz natural a escoar-se e as lâmpadas a tremeluzir...
Dou graças a Deus de não estar perto do mar, de não esperar um marinheiro...que naufragasse hoje...
"Cem anos que eu viva não posso esquecer-me
Daquele navio que eu vi naufragar
Na boca da Barra tentando perder-me
E aquela janela virada pró mar
Sei lá quantas vezes desci esse Tejo
E fui p´lo mar fora com a alma a sangrar
Levando na idéia os lábios que invejo
E aquela janela virada pró mar
Marinheiro do Mar Alto
Quando as vagas uma a uma
Prepararem-te um assalto
P´ra fazer teu barco em espuma
Reparo na quilha bailando na crista
Das vagas gigantes que o querem tragar
Se não tens cautela não pões mais a vista
Naquela janela virada pró mar
Se mais ainda houvesse mais fortes correra
Lembrando-me em noites de meio luar
Dos olhos gaiatos que estavam à espera
Naquela janela virada pró mar
Mas quis o destino que o meu mastodonte
Já velho e cansado viesse encalhar
Na boca da barra e mesmo defronte
Naquela janela virada pro mar
Marinheiro do mar alto
Olha as vagas uma a uma
Preparando-te um assalto entre montes de alva espuma
Por mais que elas bailem numa louca orgia
Não trazem desejos de me torturar
Como aquela doida que eu deixei um dia
Naquela janela virada pró mar"
Francisco José
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