sábado, 15 de setembro de 2012

Manif

Foi bonito...foi sobretudo muito emocionante...saber que ainda é possível.
Senti que tinha que lá estar. E estive. E estive inteira. Mas...
Estou céptica, receosa, intrigada. Para mim a política partidária já deu o que tinha a dar. O sistema está podre. Será que estas manifestações na rua são o início de outra coisa? Que outra coisa?
Queria acreditar no poder dos cidadãos, nessa coisa a que agora se chama a sociedade civil, no fim destas continuidades políticas que não são outras coisas senão o perpetuar de um rotativismo bacoco para cumprir tradições, democráticas para uns, oligárquicas para outros, sem sentido para muitos.
Tenho medo de deixar de ter vontade de votar.
Tenho medo de me demitir de acreditar.
Não sei o que se pode fazer. Mas hoje senti que tinha de lá estar. Leiria tinha famílias inteiras no desfile que percorreu as ruas da cidade. Foi calmo, apartidário, sem protagonismos, como cria que iria ser.
Caminhei, conversei, empenhei-me, fiz o meu papel. Mas, no fundo de mim, eu só estava ali para mostrar que não estou de acordo, que temo que este país não aguente, que tudo deixe de ter significado, que eu não consiga ensinar meninos sem esperança e sem alimento, numa escola sobrelotada, onde todos estamos a fazer o que devemos, mas poucos a fazer o que queremos. E o que devemos, é o que nos mandam fazer e não o que sabemos fazer. O que devemos à caminhada que iniciámos em prol do futuro (porque é disso que a Educação trata) por vezes já está sufocado pelo que vamos devendo fazer nas leis sobrepostas dos "senhores que mandam" e passam por lá sem humildade e sem saber que a Educação tem de estar para lá dos partidozinhos que os acolheram no seu seio e os alimentaram.
Eu queria ensinar a alegria de aprender e a possibilidade de crescer. Mas, e se eu própria não conseguir acreditar nisso? Tenho tanto medo de deixar de conseguir acreditar?
Foi esse medo que eu fui exprimir ali, fui explicar que tenho direito à esperança e que o meu dia a dia tem de voltar a ter perspetivas.
Fui à procura da esperança que vi explodir nas ruas a seguir ao 25 de Abril.
Falou-se muito de 25 de Abril. Cantou-se Zeca, a Grândola, proclamou-se que "O povo unido jamais será vencido", chorou-se no hino nacional e nos gritos por Portugal, por nós, pelo que já fomos, pelo que queremos ser, pelo que queremos que nos deixem ser.
Na mochila o livro que me acompanhou o almoço: O Poder dos Muitos: Povo, Classe e Multidão. Mas até esses textos só me agudizaram as interrogações: Quem somos? O que é o Povo? O que temos feito com o poder que temos? Temos?...Que legitimidade tem quem assina por nós? O que é ainda a Democracia?
Hoje estive lá. A mostrar "meu olhar, meu olhar, meu olhar", e meu sentir.
E agora? Que vão eles fazer?
E nós?

4 comentários:

Ninguém.pt disse...


JOSÉ


E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama protesta,
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,

seu terno de vidro, sua incoerência,
seu ódio - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, pra onde?


Carlos Drummond de Andrade

Que diríamos se alguém, perante um baile onde poucos querem dançar, perguntasse: "É isto um baile?"

Provavelmente responderíamos ao perguntador desafiando-o a ir bailar, para aumentar o número.

Assim é a democracia, assim a vejo eu, pelo menos: um espaço onde todos deveríamos estar mas que deixamos para apenas alguns. Que, por estarem sozinhos, sem concorrência, dançam a valsa em ritmo yé-yé quando lhes apraz.

Que fazer para melhorar a política? Pois é simples: fazer política. Se muitos a fizerem, os que até agora "dançavam" sozinhos provavelmente até se afastarão, temerosos da cidadania renascida.

Não podemos é continuar nisto: não fazemos e lamentamos que os outros não façam por nós.

Beijito, Miss.

(Ah, também lá estive. Foi a segunda vez que fui, em toda a vida, mas valeu a pena.)

Escrivaninha disse...

Que engraçado: imaginava-o com um grande currículo de manifestações, Mestre.

Eu já participei em algumas. Faço-o sempre de maneira criteriosa e tempos houve em que participei muito pouco.

Ontem, lutei comigo até tomar a decisão, que agora tenho a certeza foi a correta.

Mas a política faz-se todos os dias, desde as mais pequenas atitudes, na nossa postura perante a vida.

A partir de amanhã lá estarei, perante os adultos do futuro, esperando ser um bom exemplo e um bom incentivo para que também eles se empenham ativamente na vida (política) deste país.

Beijito, Mestre.

Ninguém.pt disse...

Ajudei a organizar algumas, mas escapei sempre. "Sofro" de uma espécie de agorafobia que me impele a fugir de concentrações de mais de duas pessoas, vá lá três...

A política, é certo, até por omissão se faz, até contra a nossa vontade a estamos fazendo. Mas a decisiva, a que conta, é feita em associação, é uma atitude colectiva que pretenda e lute por mudar para melhor o presente e o futuro de todos, assim mudando o de cada um.

Fazer é um verbo de acção, não fazemos política quando apenas exigimos que os outros a façam, não acha, Miss?

Bom ano escolar, cheio de sucesso e satisfação pelo dever cumprido.

Beijito.

Escrivaninha disse...

Obrigada. Boa noite, Mestre.