quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ops!

"Ela já tinha a sua sala no deprtamento comercial há mais de um ano quando recebeu aquela chamada.
Viu que o telefone era interno, mas nada no visor indicava a sua proveniência. Atendeu.
- Estou?
- Ainda bem que está colega. É o telefonema inaugural deste telefone.
- Jorge! - gritou entusiasmada. Pensou, mais tarde, que tinha gritado num tom demasiadamente alto, mas estava sozinha no seu espaço.
O Jorge tinha entrado para a secção de vendas pouco depois dela. Tinha uns olhos azuis que a deixavam um bocadinho desorientada, mas nunca lhe dera a mínima esperança, recusando polidamente a maior parte dos seus convites para «um cafezinho» ou «um copo logo à noite», até ela ter desistido. Conversavam bastante enquanto colegas e respeitavam-se mutuamente como dois bons profissionais.
Entretanto ela tinha sido promovida e passaram a ver-se menos. Ele não fazia parte da equipa de vendedores que ela supervisonava e cada vez as suas passagens pelo balcão de vendas eram mais espaçadas. No início tinha a preocupação de mostrar que não tinha mudado por ter sido promovida e passava diariamente para cumprimentar os colegas com quem tinha privado nos últimos três anos. E não mudara, mas as funções eram outras. O trabalho apertava e a questão foi-se diluindo entre muitas outras coisas. Faziam questão de a convidar para um ou outro evento esporádico dos vendedores - um jantar de Natal, a festa para entregar a prenda dos gémeos que a Yolanda acabara de ter - e ela sentia-se feliz por isso, mas, na realidade, outras funções e outras rotinas tinham-na afastado dos anteriores colegas, sabendo que não havia mágoa ou mal entendidos entre eles.
Há bastante tempo que não pensava no Jorge e nos seus olhos azuis, no branco do seu sorriso e no sobrolho franzido de desaprovação em diferentes ocasiões. Nos primeiros tempos tinha frequente vontade de o convidar para um cafezinho, mas sentia que não devia. Se ele não queria, não tinha por que insistir. Mas ficara-lhe aquela vontade contrariada, a sensação de que poderia ter sido bom...um frustraçãozinha, que não deixava de ser excitante sempre que se lembrava dele. Talvez por isso aquele grito de surpresa e satisfação mal medido.
- De onde estás a telefonar?
- Da minha sala, colega - disse ele, enfatizando a última palavra. 
- A sério? 'tás cá em cima? - a satisfação era genuína
- 'Tou, pois. Fiquei com a sala e a equipa do Figueira, que sempre foi para a reforma. Cheguei hoje e esta é a primeira chamada do meu telefone, meu te-le-fo-ne. Ena, isto sabe mesmo bem.
Ela sorriu - Vaidoso! Vá...tu mereces. Fico muito satisfeita por ti. - uma pausa, hesitação e... - E por mim, também. Que recuperei o meu colega.
- Sem dúvida, moça. Agora tenho de ir trabalhar. Ver como isto é cá em cima, para não fazer má figura.
- Claro que não fazes. Se precisares de alguma coisa...
- Obrigada. Agora tenho mesmo de ir. Porta-te bem - terminou em tom afável
- Bom trabalho!  E parabéns.
Sem saber de onde saiu-lhe assim que deixou o telefone - Espero portar-me bem por pouco tempo agora que estás cá em cima.
Clic!
Ah..Era o som do telefone a desligar? N-nãoooo. Ele ainda não tinha desligado? Na-não devia ter ouvido...Porquê se tinha o telefone ligado? Ah..."

2 comentários:

Ninguém.pt disse...

Mais um agradável e surpreendente textículo, Miss. Quando pensa começar a colectá-los para futura edição?


DIZ TODA A VERDADE


Diz toda a Verdade mas di-la tendenciosamente -
O êxito está no Circuito
É demasiado brilhante para o nosso enfermo Prazer
A esplêndida surpresa da Verdade

Como o Relâmpago se torna mais fácil para as Crianças
Com uma amável explicação
A Verdade deve ofuscar gradualmente
Ou cada homem ficará cego


Emily Dickinson, trad. de Nuno Júdice


Se a verdade é como o azeite, quererá isso dizer que podemos ficar fritos com ela?

Beijito, Miss.

Escrivaninha disse...

Os meus textículos são demasiado pequenos para serem publicáveus (se alguma vez pensei dizer isto!). Talvez com uma boa dose de textosterona que, como dizia alguém no Brasil, é o hormônio masculino responsável pela vontade de escrever textos. :-))
Mas obrigada pelo incentivo. Pode ser que estas minudências possam servir de ensaios para algo maior.
Beijito Mestre.