segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Caixa Negra

- Mas não pode recuperar os números? Os contactos...
- Assim como está não. Vamos ver se uma reparação do aparelho resolve o problema. Mas, desculpe, os contactos estavam guardados no cartão ou no telemóvel?
- Então o cartão não está no telemóvel?
- Sim - disse ele com aquele ar pedagógico-condescendente que me faz perder as estribeiras - Mas existe a memória do cartão e existe a memória do telemóvel...
Fez uma pausa que eu aproveitei para falar sobretudo comigo: - E existia a minha memória que não era má ideia se não tivesse deixado de a usar.
- E pode (deve, se me permite) ir fazendo backups periódicos.
Pumba! A utilização de expressões em americanês é a segunda gota de água num copo que transbordou à primeira.
- Bem - interrompi com a mão levantada em sinal de que não queria ouvir mais nada - resumindo: se quiser telefonar nos próximos dias tenho de comprar outro telemóvel, mas posso mandar arranjar esse, não? Ele está na garantia.
- Claro, mas na Nokia.
- E porque não aqui?
- Porque lá é que eles sabem dizer se podem ou não recuperar os dados e se vale a pena consertar o telemóvel [ele não deve ter dito consertar, já ninguém diz consertar].
- E onde fica isso?
- Sabe onde é o hospital?
- Não. Não sei nada. Fiz 20 Km para vir à loja que me indicaram e agora tenho de saber onde é o hospital para arranjar o telemóvel? Não deve ser difícil de descobrir, eu estou quase a ter um ataque de nervos.
A outra funcionária, mais velha, aproximou-se com um ar sério e protetor. Percebi que não podia falar alto, porque estamos numa sociedade politicamente correta em que quem perde as estribeiras não tem nível.
Comprado o novo telemóvel porque - e isto ainda me irritou mais contra mim mesma - não posso estar sem telemóvel - meto-me no carro e furo Leiria inteira para ir a uma loja específica da Nokia para saber se aquilo tem arranjo. "Talvez...pode vir amanhã que já deve estar arranjado." "Amanhã? Amanhã não posso. Agora só devo voltar daqui a uns 3 dias." Estranham. As pessoas querem tudo para ontem à tarde.Depois de registar a morada sorriu: "Ah, já percebi. Claro que não pode vir nos próximos dias que a paródia carnavalesca lá pela terra à boa. Pode vir quando quiser: Bom Carnaval!"
E eu com um ar muito para lá do Palhaço Rico a suspirar pelo tempo em que os nº de telefone estavam escritos num caderninho dividido por letras e o telefone era preto, vetusto, robusto e fixo à parede no centro do corredor.
E porque não assento os nº no caderno? Sei lá! Não sei mais nada. Sei que temos a vida presa dentro de caixinhas negras que nos ensombram os dias quando não funcionam.
Agora tenho de ir ler o manual do outro coiso, porque não tem as mesmas opções do anterior. E é 'touch', porque parece mal dizer é toca-me e eu cada vez estou mais cheia de não-me-toques...
E os toques! Nem sei como é que isto toca. Oh, não! Vou ter que passar por todo aquele calvário de ouvir mil e um toques para escolher um.
Odeio esta sociedade tecnológica.
Estou mascarada de antiquada. E que bem entrei no papel!

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