terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Linha da Fortuna

Creio que era ainda muito nova quando li - provavelmente numa revista feminina - que devíamos fazer um exercício diário de contabilizar o que foi bom e mau ao fim de cada dia, para dar o valor real ao que temos, blá, blá, blá...
Entusiasmada, passei a receita à minha mãe depressiva, que com a mestria que lhe era característica,  destruiu os meus argumentos todinhos. Não sobrou nada. Com uma negatividade tenaz destruiu cada elemento da minha lista, justificando com sólidos argumentos, a sua passagem para o outro lado da barricada. Tudo podia ser melhor, tudo era uma conspiração do universo para a prejudicar, todos os outros tinham mais sorte que ela.
Embalada por aquele fado, tentei ainda por uns largos tempos, inverter a coisa, até perceber que nada havia a fazer.
Ficou-me o hábito do exercício (não diário, verdadeiramente) de pesar numa balança valorativa os eventos que vão marcando a minha vida. E o saldo é quase sempre positivo. Não sem esforço, é certo. Mas o final é positivo.
Num desses esforços de encontrar a linha cor de rosa que eu quero que conduza a minha vida - o que exige um esforço cada vez mais elaborado, reconheço - dei comigo a recordar momentos dramáticos e felizes em que a minha vida tem beneficiado de encontrar as pessoas, os lugares, os contextos certos. Como na apendicite que enfrentei aos 11 anos, numa operação de urgência. Recordava-me do nome do médico. Era muito novo e acho que andava sempre a ver "a paciente". De tal maneira que aproveitaram para me dar alta quando ele foi de férias. Era um verão muito quente e a estadia no Hospital D. Estefânia soube-me a colónia de férias.
Recordo os momentos ternurentos em que me deixavam colocar os termómetros aos bébés ou a aventura que era escaparmo-nos, com as luzes já apagadas, para a sala da televisão para não perder o Espaço 1999.
Injeções e pensos à parte, eu recordo mesmo umas férias muito divertidas.
De repente penso: Que será feito do médico? Ainda exercerá medicina? Será que o consigo encontrar num motor de busca?
E vá de buscá-lo.
Ah, maravilhas da técnica moderna!
Encontrei-o num hospital privado. Escrevi para o mail geral do Hospital e dias depois ele respondeu, a agradecer o contacto e a pedir pormenores que o levassem a recordar a situação.
Acabei de lhe escrever, agora que cheguei a casa, feliz por ter sido cumprimentada por uma ex-aluna, agora caixa num supermercado, que eu já não via (e não reconheceria) há muito tempo. Senti-me bem por ela me ter cumprimentado com uma alegria genuína.
Resolvi contar a história "ao meu doutor" e agradecer-lhe por poder estar aqui hoje, a ele, ao Serviço Nacional de Saúde e ao Estado Social de poderá ser afundado, perdão, refundido...não, refundado, um dia destes.
Foi uma "conversa" catártica. Sinto-me bem de o ter feito. Espero ter feito também bem ao médico, que hoje já nem é Pediatra.
Maravilhas da comunicação moderna!

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