domingo, 7 de dezembro de 2014

Deixá-las falar!

A reunião estava quase a acabar. As pessoas evidenciavam aquela agitação que antecede o arrumar das coisas, levantar da cadeira...
Ela ficou subitamente aflita. Tinha de ficar mais um pouco, devido às suas funções administrativas. Depois de todos os outros saírem era preciso confirmar tudo com o Diretor para mais tarde tratar de todos os documentos, sem falhas. Os documentos já só chegariam aos destinatários dias depois, mas, como sempre, o seu espírito metódico não lhe permitia deixar as coisas para depois. Tinha de confirmar e preparar tudo antes de partir. Mas queria tanto despedir-se dele!
Afinal iam ser quatro dias sem as oportunidades quotidianas de o encontrar que a faziam estupidamente feliz: o café a meio da manhã, o refeitório, um ou outro minuto na sala de descanso...O Natal punha tudo isso em risco. Ele ia estar ausente! Quer dizer, ela também...isto merecia uma despedida. Mas tinha que ser profissional. O que ali estava a fazer nada tinha a ver com os seus interesses particulares...Tinha de se concentrar no trabalho.
As boas intenções esfumaram-se quando ele se levantou e ela lhe atirou quase em desespero: Espera! Queria tomar um café e um sonho contigo.
No mesmo momento queria poder apagar tudo o que disse. Fechou mentalmente os olhos e esbofeteou-se dentro de si, enquanto ele parava com uma expressão estupefacta.
O mundo parara! Ela tinha a certeza que o mundo parara e que todos estavam concentrados no seu deslize, na resposta dele, na surpresa de tudo aquilo...
-Espero por ti lá fora. Ainda vou fumar um cigarro - disse ele, ao fim de horas, ela tinha a certeza.
Sorriu com ar completamente apatetado, assentiu com a cabeça e virou-se para o diretor falando sobre a reunião mas fitando obsessivamente os papeis.
Quando finalmente saiu, ele esperava-a lá fora com as mãos nos bolsos do blusão.
- Então... - começou ela
- Sonhas mesmo comigo? - atirou ele
- Hã? Não...Sonho contigo? Ah...- riu - não, eu disse que queria tomar um café e um sonho contigo.
- Vês? Sonhas comigo, portanto.
- Ah...não...eu quero...deixa lá, às vezes as palavras é que estão certas. Deixá-las falar!
Encaminharam-se juntos para a saída. Quase a chegar ao portão ele abrandou: Não disseste que querias café? É lá dentro...
- Pois, mas como já percebeste tudo podíamos tomar o café noutro lado.
Continuaram para o carro.
Ela continuava a esbofetear-se mentalmente: O que estás a fazer, mulher? Mas ele é tão giro. Tem um ar tão bom! Deve dar uns amassos tão bons...Eu disse amassos? Queria dizer abraços. Se calhar não queria...
Ela abriu a porta do carro e ele entrou...na vida dela.

Sem comentários: