domingo, 21 de outubro de 2012

Tragédia

Morreu Manuel António Pina, na sexta-feira.
Chorei.
Li e chorei.
O poeta a quem o semanário Sol chama "O Gato da Poesia" não vai mais criar palavras para as nossas vidas.
A morte de um Poeta, num tempo de crise como o nosso, é um drama de grandes dimensões, Numa época em que não se está a aprender a pensar, os que o sabiam fazer de forma natural, ajudavam-nos a sobreviver com a sua forma de ver o mundo: em poesia, em prosa, em imagens, mas sempre numa outra forma diferente da que nos entra diariamente pela casa dentro e nos aprisiona no sofá perante o medo do fim iminente e a nossa culpa na contribuição para esse fim e a nossa impotência perante a sua chegada.
Pensar tornou-se um luxo, uma ociosidade nos tempos que correm, capitalistas. Sobrecarregam-nos os horários e as funções para que não tenhamos tempo de ver e refletir na forma como nos esvaziam os ordenados, as atividades, as vidas...
Os Poetas - só os Poetas - nos podem ajudar, nos podem iluminar caminhos, dar esperança.
Morreu um Poeta. A Esperança fica mais difícil.


A Poesia vai acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

Estão a ver onde quero chegar?

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