sábado, 8 de janeiro de 2022

Criticando o rectângulo pátrio

 Quero aqui registar algumas palavras de crítica ao nosso país, que acho muito bem conseguidas.

São excertos do romance "Fantasia para dois Coroneis e uma Piscina" de Mário de Carvalho.

"Entre a poeirada de adversidades que ensombram e inquinam a já de si pequenina qualidade de vida dos portugueses existe uma prática ilegal e, portanto, livremente exercida, chamada «estacionamento em segunda fila». Consiste em alinhar automóveis ao lado daqueles que já estão arrumados, bloqueando-lhes a saída. Em Portugal, em qualquer ocasião, sempre que ao olhar se oferece um bom lugar, é mister fazer-lhe a crítica e interroga-lo extensamente. Há campo para sair pelo lado do passeio? Há espaço suficiente para?...Convém antecipar todas as malfeitorias aptas a impedir-nos de usar de um direito ou de uma facilidade. Porque é evidente que as circunstâncias da lusa vivência não consentem que um cidadão deixe o seu carro bem estacionado e vá, descansado, à sua vida. Isso seria demasiado simples. E a simpleza repugna aos portugueses. Deixar alguém na despreocupação? A fruir dos seus direitos? Isso é antilusitano. O bom cidadão deve sofrer a grosseria dos seus conterrâneos, sujeitar-se a ver todas as legítimas expectativas malogradas e guardar-se para a sua própria vez, quando tiver ocasião de tirar desforço e lesar triunfalmente a comodidade do próximo." (p. 55)

"(...) Há ocasiões em que Portugal merece ser amaldiçoado. Quando toca a papeis, argueirices, complicações, autoritarismozinhos, sadismozinhos, há que varrer. Eu era mesmo capaz de dizer: invadir. Seiscentos australianos, quarenta suecos e trinta e dois japoneses punham isto na ordem em menos de um fósforo. Alguns dos nossos burocratas, santa paciência!, teriam de aguentar na cadeia ou, pelo menos, com pulseira carcerária, por atentado doloso e mortal à qualidade de vida dos Lusos." (p. 148) 

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