quarta-feira, 27 de novembro de 2019

A posição do observador faz toda a diferença

Um dia destes fui passar um fim de semana a Amesterdão.
De facto, com as viagens cada vez mais acessíveis, viajar deixou de ser complicado. Planeada a viagem com bastante antecedência os gastos podem ser parecidos com os de um qualquer fim de semana em Portugal.
Assim, desafiada por uma amiga que vinha do Brasil à Bélgica em trabalho e queria rever Amesterdão no fim de semana antes de regressar ao Brasil e entusiasmada com a perspectiva de rever a minha irmã que mora em Bruxelas, lá combinamos tudo e um quarto de três camas esperáva-nos numa noite de Amesterdão. Muito fria, daquelas de usar gorro, cachecol e luvas (a condizer, claro).
Associamos Amesterdão à tolerância religiosa e tenho ideia que maioritariamente serão protestantes, mas que existem por lá todas as religiões.
As nossas visitas versaram várias religiões. Começámos por um monumento associado ao catolicismo e também fomos a uma sinagoga.
O primeiro monumento foi uma visita muito curiosa. Eu não fazia ideia da existência daquelas igrejas e foi a minha irmã que trouxe a ideia da visita. "Our Lord in the Attic" é uma espectacular igreja num sótão de um prédio de habitação, (sem quaisquer indícios exteriores) e corresponde a um período de dominação protestante na Holanda (séc. XVII) em que os cultos de outras religiões eram oficialmente proibidos, mas podiam existir, "desde que não se soubesse, ou mais exactamente, desde que não se visse". A mesma hipocrisia que marca o capitalismo durante todo o seu percurso: se pagares os impostos e fizeres o que é proibido longe da vista fazemos de conta que não vemos".
Mas enfim, nem era sobre estas considerações que vim escrever, mas sobre as explicações (excelentes!) existentes nesse monumento.
Pela primeira vez na minha vida deparei-me com explicações dos rituais e símbolos católicos como nunca tinha visto. Explicavam-me todos os preceitos de uma missa como se eu nunca tivesse assistido a uma.
É lógico, é óbvio, mas foi tão estranho.
Comentei isso com a minha amiga, museóloga de profissão, também de uma família e um país católico. "Tão estranho! O catolicismo como excepção."
E isto fez-me reflectir muito sobre o ensino da História, cada vez mais difícil, porque os alunos não lêem, mas também porque não trazem consigo um conjunto de valores , de conceitos e de imagens que temos agora de lhes explicar.
É lógico. Agora é lógico. E talvez tenha sido mais uma das coisas a que eu estou com dificuldade em me adaptar: ter de lhes explicar o que dantes vinha adquirido. Mas eles não têm culpa. Não vão à Igreja, não sabem o que é. E eu tento compreender...mas acho que até estar em Amesterdão não tinha verdadeiramente compreendido.
E esse é mais um dos aspectos vantajosos das viagens. Sair. Olhar de fora. Mudar a perspectiva.
Claro que não me resolve o problema de ter de acrescer mais uma explicação ao já escasso tempo para o programa, mas...fez-me compreender a necessidade deles. Se não sabem tem de ser explicado. Deve ser. É um direito que lhes assiste. E é necessário para compreender a dinâmica da disciplina.
Isto fez-me muito bem.
Mas não deixa de ser estranho ouvir explicar detalhadamente o que é a comunhão, na missa, ou - e esta é a cereja no topo do bolo - ouvir designar a hóstia como "holly waffle".
Escusado será dizer que não consegui comer nenhuma waffle em todo o fim de semana!



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