sábado, 24 de agosto de 2024

À procura de Saramago

 Recentemente visitei a Fundação Saramago em Lisboa e gostei muito. Pouco tempo antes, por um acaso,  tinha estado na Azinhaga, a sua terra natal, e tinha-me quedado a olhar para a escultura que o representa....

Quem foi Saramago, o nosso único Nobel da Literatura?

Recordo-o seco e antipático numa sessão de esclarecimento na minha Universidade, ainda ele não era Nobel. Tratava-se da candidatura de Salgado Zenha que eu equacionava brindar com o meu voto...Recordo-o em memória alheia (querido Mestre, nunca me esquecerei de si, sem o ter conhecido!) ditador, prepotente, manipulador com os colegas de trabalho. Lamento-lhe a humilhação e descaso dos portugueses que não lutaram por reverter a estúpida decisão de excluir o seu livro de um concurso, nem por mantê-lo cá. Tenho a sensação que ele era demasiado bom para o país que tinha...Procuro-o magoado e excluído a recolher-se a Espanha, terra do seu amor.

Creio que ele era genial (disso tenho a certeza sempre que o leio) e intratável. Tenho uma imensa admiração pelo seu percurso de vida (estudou tarde e à sua custa) e pela sua coerência, pois sabia que ser comunista o afastaria de muitas honrarias no mundo literário. Admiro a sua luta com a Fé que diz não ter, para tentar converter Deus a um mundo melhor, para melhorar Deus...Acredito que ele queria muito acreditar em Deus, mas que este Deus não lhe servia, sobretudo pela forma como criou os homens (muitos homens) imperfeitos e maus, que não se importam de espezinhar outros para se engrandecer a si próprios; homens que se consideram melhores que os demais e assim estragam toda a Humanidade, tornando este caldo impuro e este mundo difícil de respirar.

Procuro esse Saramago inconformado que escreve para sobreviver, para respirar, para atuar neste mundo em que ainda acredita.

Resolvi então espreitar os seus diários. E encontrei-o lá todo: Genial, intratável, maus e bom, crente inconfesso zangado com Deus...mas encontrei-o também (e por essa não esperava) apaixonado e agradecido à vida. E esse - que eu não sabia que foi - resolvi registá-lo aqui.

Então Saramago sobre um bom momento da vida:

"(...) Que boas estrelas estarão cobrindo os céus de Lanzarote? A vida, esta vida que inapelavelmente, pétala a pétala, vai desfolhando o tempo, parece, nestes meus dias, ter parado no bem-me-quer..."

Cadernos de Lanzarote; Diário - I (entrada de 22 de Julho de 1993)