sexta-feira, 13 de junho de 2025

Do avesso

 Hoje apeteceu-me acordar do outro lado do Atlântico, no Inverno e no começo da noite.

Hoje sentia-me no lado contrário do que quer que fosse: não quero estar aqui, não quero fazer o que faço, não quero ser eu...Hoje tudo grita para que eu faça uma pausa: mas não é uma pausa em qualquer coisa que eu faça, é uma pausa de mim.
Uma pausa de ser. Existirá? Se não existe deveria existir e hoje estou tão indisposta que me parece que se inventaram poucas coisas. Penso em tudo o que falta inventar...
Hoje apetece-me fechar numa cápsula e esperar que o mundo fique melhor, que se invente o que falta, que se retome o que se abandonou...
Hoje não sei o que tenho, porque se calhar ainda não inventaram um nome para o que estou a sentir. Mau feitio? Mal estar? Mas porque é que tenho eu que estar mal, se é o mundo que não me compreende e não me acolhe? Tenho de ser eu a aprender a viver com o mundo? Porque não posso mudar o mundo? Que chatice!
Chatice podia ser um sentimento, um estado de alma, mas nem a isso chega...Irritação? Inadaptação? E lá vêm os prefixos que antecedem e classificam a minha relação com o mundo...Com o mundo talvez não, que este sentimento é caseiro e limitado no tempo...pequenino, insinuante, como uma broca num dente.
Hoje acordei do avesso, que é também um lado válido. Será por ser sexta feira 13, dia dos canhotos, dia em que se esperam coisas estranhas?
Hoje, se o conseguisse, andaria sobre as mãos, tricotaria com os pés, olhava o mundo com um monóculo no umbigo e começava a fumar, cachimbo.
Hoje não sei que se passa, não me apetece ser eu, mas também não me apetece ser ninguém que eu conheça. Talvez se eu inventar outro ser para ser...e será que conseguia ser como deve de ser?
Não pode ser! Ainda não foi inventado e já está cancelado.
Hoje não me apetecia estar deste lado. Vou trincar um cogumelo e ver se aumento ou diminuo e caibo na toca do coelho para chegar por lá até ao lago do patinho feio, que é como eu me sinto.
Socorro! Não sei estar em mim, assim, num mundo que não me apetece, aborrece, porque desaprende, se desprende daquilo que estava certo...estava?...
E falo já no passado, antecipando um futuro que ainda não chegou. Será que consigo fazer alguma coisa para o retardar, para o pulverizar antes de existir?
Hoje doi-me existir. Talvez se eu dormir, afaste esta dor, este incómodo, esta inquietação de ser, de estar, de viver de pensar...
Ah, que isto hoje está tremido, retorcido, perturbado, conturbado, enevoado, atravancado. Isto hoje não está fácil, nem difícil, está qualquer coisa entre isso e isso, uma palavra que não sai, talvez porque ainda não foi inventada.
Será o dia de hoje bom para inventar palavras? As palavras inventadas hoje não ficarão na história, porque hoje há um buraco negro no lugar da existência que suga as palavras inventadas para um lugar onde os dicionários foram abolidos. Vou dormir para evitar uma parte do dia que promete.
Promete, o quê? Um conjunto de frases por completar, ditas por seres que não sabem se existem, porque se recusam a pensar sobre a própria existência. Sabe-se lá onde é que isso os poderia levar...
Ao centro da terra ou ao centro de si mesmos, um local muito doloroso de existir, um não lugar...Só por hoje...espero.

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