"Este tipo de validação faltara decerto ao avô. Claro que o mundo está repleto de pessoas boas e felizes, mas umas raras pessoas (três, quatro?) conseguem aliar o dom da arte ao dom do carácter. São boas e felizes e talentosas. Eis o sonho da avó para mim: desta vez correria bem." Cabral, Afonso Reis, O Último Avô, p. 89
Será que as palavras ficam presas no tempo? Terão as palavras alguma coisa a ver com a moda, efémera e volátil? Evocações do passado também poderão ser palavras que, outrora, marcaram tanto o nosso quotidiano como o som do chiar do baloiço, o pregão da “língua da sogra” na praia ou o cheiro do cozido à portuguesa ao domingo?... Procurar e (re)contextualizar palavras, embalarmo-nos nelas, divagar sobre elas, são alguns dos objectivos deste projecto. Por puro prazer!
segunda-feira, 8 de dezembro de 2025
segunda-feira, 16 de junho de 2025
Em conflito com as circunstâncias
Precisava de ler uma coisa leve...entrei na livraria do meu vizinho alfarrabista e preparava-me para uma penosa sessão de escolha de livros, entre aqueles em que os meus olhos batiam e as sugestões dele. Esta cena já se repetiu muitas vezes e sei que saio de lá com um ou dois livros, mas a sofrer por não poder trazer mais. Ele tem jeito para vender, eu sou fraca para resistir a livros.
Ele estava num dos estabelecimentos comerciais vizinhos. È sempre assim e eu sempre me espanto, pois admiro a descontração dele, sem ter medo que as pessoas roubem os livros ou o dinheiro da caixa. Se calhar ele é que tem razão...quanto mais medo temos, piores coisas nos acontecem.
Ele não estava, já disse e eu olhei para os livros. Retirei um da fila de lombadas que se apresentavam no móvel do centro da casa. Li a sinopse. Gostei.
Ele entra pronto para a nossa dança de sugestões e impedimentos, que sempre lhe sai bem.
Eu já tinha escolhido o livro. Escolhi o livro à primeira vista. O primeiro livro que vi. Mas parecia-me perfeito.
E lá o trouxe.
A leitura era leve, sim, mas teve em mim alguns efeitos que não esperava:
Primeiro fala do clima que antecede a segunda guerra e, infelizmente, esse clima parece ter voltado agora. A comparação foi dolorosa e aumentou muitos dos meus receios.
Toda a história se desenvolve em torno de uma mesma família, melhor, de três mulheres de uma mesma família, que se sucedem e que mantêm entre si um certo culto das histórias familiares. No fim do livro há um retorno da mulher (já a 3ª geração) ao local e a situações que envolveram a sua avó, aquela com quem esta narrativa começara.
E isso foi muito forte para mim, que cada vez mais vou desenvolvendo, intuindo, pressentindo a ideia de que a nossa vida e as nossas histórias se desenvolvem em ciclos que se fecham de alguma maneira.
E agora é o meu sobrinho que fixou residência na terra do bisavô (que nem conheceu), fechando (digo eu) um ciclo de um rapazinho que saiu daquela terra para trabalhar, mas que disse sempre que essa terra se iria um dia desenvolver bastante. E é agora para lá que o bisneto vai viver e criar família, numa urbanização que se expande. Ele, que foi o último a ficar na terra que o bisavô foi habitar quendo saiu daquela terra para onde agora retornam os seus descendentes.
E sou eu que continuo a achar que vim viver para a terra de onde seria originária a minha parteira, a pessoa que me trouxe ao mundo, o primeiro rosto apaziguador, que gostou de me ver e me elogiou numa noite escura e ruidosa, num parto não desejado em que a mãe esperava ainda a benesse de o nascituro ser um rapaz e, quando verificou que era mais uma menina, terá dado o trabalho todo por inútil.
Penso que eu, solteira sem filhos, dedicada a cuidar dos filhos dos outros, vim fixar residência na terra da mulher que, solteira e sem filhos se dedicou a fazer nascer os filhos dos outros. E que se recusava a terminar gravidezes indesejadas. Apenas amparava o nascimento dos que, apesar de tudo, vingavam.
Não sei...
Mas achei curioso o livro ser afinal uma narrativa circular.
A mulher que começa a narrativa, aquela que foge ao destino que lhe queriam traçar, tinha, na adolescência, muitos conflitos com a mãe. Era uma desilusão para a mãe. Sentia-se diminuída na família. Quando a segunda personagem mais importante da história a vê pela primeira vez, e se apaixona, ela ela estava a chorar após uma discussão com a mãe... e diz o livro:
"Ele soube - ou melhor, apercebeu-se, já que ela não falou disso - que Lorna era uma rapariga de certa forma em conflito com as circunstâncias."
E esta descrição ficou-me...assentou-me perfeitamente. Se escrever algum dia uma biografia ou um livro de memórias, acho que poderia chamar-lhe isso mesmo: Uma rapariga em conflito com as circunstâncias.
O livro a que me refiro é o romance Consequências, da autoria da escritora inglesa, vencedora do Booker Prize, Penelope Lively.
domingo, 15 de junho de 2025
O que conta a História? O que conta para a História? O que contamos para a História? O que queremos que a História conte? O que conta da nossa História?
"- Palavras ou imagens? - diz Manolo - O que conta a história?
- Ambas, suponho. Eu posso descrever este lugar, mas as fotos dão as cores das portas. Aquele bigode. As botas dele. O gato sentado no muro.
- Do período minóico só temos imagens. Viu-as...no museu. Os frisos das paredes , os vasos. Muitas imagens. O que todos queriam eram palavras...a linguagem.
- Linear B - respondeu Ruth - Eu sei. Você explicou-me.
- E quando finalmente as tábuas foram decifradas, eram listas de ovelhas e bois. Ou registos de trigo e azeite, e uma encomenda de banheiras - Manolo ri-se - Nada de poesia. Nada de peças pré-gregas.
- Suponho que a maior parte das nossas palavras seja acerca de ovelhas e bois e entregas de banheiras, ou o equivaqlente. Registos e comunicação.
- Claro. Foi assim que a linguagem começou. A poesia e o teatro são luxos. E a história precisa de saber acerca de ovelhas e bois e banheiras - Manolo volta aqueles olhos bizantinos para ela. Ruth sente-se menos triste."
Lively, Penelope, Consequências, pp.233-234
Sobre a mudança
sexta-feira, 13 de junho de 2025
Do avesso
Hoje apeteceu-me acordar do outro lado do Atlântico, no Inverno e no começo da noite.
sábado, 8 de março de 2025
falange, falanginha, falangeta
Se a minha mão for pequena na
tua mão, pede-lhe, com jeitinho,
que seja maior por um momento
e será asa aberta sobre o teu peito,
guardando-te da culpa e do temor.
Por um momento, a minha mão
pode ter o tamanho de outra mão,
o tamanho exacto da tua mão, o
tamanho do mundo, se lhe pedires.
Em dia de comemoração
"Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir."
José Saramago, Cadernos de Lanzarote - Diários, II, p.63