segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Olha ali: 2013!

Perspetivas, projetos, esperança, horizontes...tudo isto sobre o pano de fundo de saúde e o amparo de amigos.
São os meus desejos para o próximo ano dirigidos a todos os que estimo.

Até para o ano amigos!

sábado, 29 de dezembro de 2012

Amar...o Amor

Venturosa de sonhar-te
Venturosa de sonhar-te,
à minha sombra me deito.
(Teu rosto, por toda parte,
mas, amor, só no meu peito!)

–Barqueiro, que céu tão leve!
Barqueiro, que mar parado!
Barqueiro, que enigma breve,
o sonho de ter amado!

Em barca de nuvem sigo:
e o que vou pagando ao vento
para levar-te comigo
é suspiro e pensamento.

–Barqueiro, que doce instante!
Barqueiro, que instante imenso,
não do amado nem do amante:
mas de amar o amor que penso!


Cecília Meireles (1901-1964)

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Desencanto

Eu faço versos como quem chora
De desalento , de desencanto
Fecha meu livro se por agora
Não tens motivo algum de pranto

Meu verso é sangue , volúpia ardente
Tristeza esparsa , remorso vão
Dói-me nas veias amargo e quente
Cai gota à gota do coração.

E nesses versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre
Deixando um acre sabor na boca

Eu faço versos como quem morre.
Qualquer forma de amor vale a pena!!
Qualquer forma de amor vale amar!


Manuel Bandeira  (1886-1968)

quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

E se...?

Faz hoje 40 anos que a minha família ficou destroçada.
Faz hoje 40 anos que ruiram os pressupostos sobre os quais se pensavam o presente e o futuro da minha família.

40 anos depois penso...(como digo aos alunos que não vale a pena pensar). E se o meu pai não tivesse morrido nesse dia? E se ele tivesse sobrevivido ao ataque cardíaco? Teriam os meus pais sido «felizes para sempre», até hoje? Teríamos nós crescido com menos lágrimas ou resvalariam outras por motivos que não aconteceram? Teriam os meus pais tido um divórcio, como tantos lares de colegas meus tiveram? Estariam agora velhinhos a embirrar? Seriam um encargo ou uma ajuda para nós?
E nós: teríamos os mesmos percursos que tivemos? Alguma de nós teria seguido com o negócio de família que teve de desfazer-se «por causa da desgraça que nos atingiu»?

Não vale a pena pensar «E se?», mas é quase inevitável fazê-lo, em dia que se assinala uma viragem tão grande que a nossa vida sofreu.

Ou sofre ainda...que a capacidade de guardar e de evocar o que de mau nos marcou excede em muito a capacidade de guardar e evocar (deveria mesmo ser convocar) as alegrias que nos adoçaram a vida.

Outras Crises


Defendo eu, repetidamente, que esta crise não é pior que outras e que o que agiganta a nossa angústia é uma consciência das coisas “em tempo real”, insistentemente aumentada pelos vários canais de informação. Defendo eu que o que nos está a ser mais prejudicial – mais prejudicial ainda que a carga fiscal – é o terrorismo informativo de que estamos a ser vítimas, fruto do mercado concorrencial capitalista aplicado ao jornalismo, que se alimenta dos gostos necrófagos das massas que se querem «informadas».
Irei por isso começar a «coleccionar» citações e provas de outras crises tanto ou mais gravosas que esta, que beneficiaram, no entanto, da lentidão e parcimónia da informação da época.
Note-se que não defendo o controle estatal da informação – nada semelhante à censura – mas gostaria que houvesse bom senso na apresentação das notícias…algo que já percebi que tenho de deixar de almejar.
O texto de hoje inaugura então uma nova etiqueta: Crises outras.
“Já no fim do século dezanove (1898-1899) a região norte foi alertada para um potencial surto de peste bubónica, aquilo a que, correntemente se apelidava de cólera.
(…)
Relativamente ao foco infeccioso do Porto, as notícias chegaram muito rapidamente às vilas e cidades mais próximas que, com razão, temeram o alastramento da epidemia. Dado o alerta geral compreendem-se todos os medos e todas as medidas preventivas tomadas.
Esta medida de encerrar os pontos de entrada e de saída de mercadorias, em especial nos portos mais críticos, provocou uma crise tremenda na economia nacional. Os níveis de desemprego dispararam e a fome chegou a grassar por todo o lado.
Valerá a pena, a título de curiosidade, dizer que esta calamidade cujas causas estavam bem localizadas, foi aproveitada politicamente pelos adversários do governo que não hesitaram em atribuir a culpa ao próprio Rei!”
(Associação Humanitária dos Bombeiros Voluntários de Barcelos: 125 Anos de serviço, pp. 83-84)
E sempre a política ao serviço da confusão (e dos interesses particulares) e não do «interesse nacional»!

quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

O Tempo tem mais olhos que barriga

Com algum tempo sem tempos marcados, dediquei-me hoje às pesquisas que tanto me apaixonam e que - dantes - me mantinham toda a frescura de poder ensinar aos meus alunos a alegria de investigar, de prescrutar a História.
Agora são já as necessidades de cumprir os compromissos assumidos, roubando algum tempo ao descanso, que em tempos de escola, todos os tempos são poucos para cumprir a buroCratice e tentar gerir o número impensável de alunos que o monstro do Ministério da Educação nos atribuiu, para justificar a austeridade num dos Ministérios erroneamente considerados despesista, só para quem não consegue perceber a noção de investimento em capital humano, em qualidade do futuro, em formação.
Entre a Internet, alguns livros e papeis já rascunhados vou lavrando a minha pesquisa.
Procurei Guilherme Cossoul, músico do séc. XIX e "pai" dos Bombeiros Voluntários em Portugal.
Entradas não faltam para o nome que pesquiso, mas, ironia dos tempos, poucas falam do que quero. Guilherme Cossoul é listado (abundantemente listado) pelas iniciativas da Sociedade de Instrução Guilherme Cossoul que, como «ela própria» esclarece, surge da música, mas cresce no teatro e pela travessa Guilherme Cossoul, algures na freguesia da Encarnação, com muitas entradas de pedidos de licenciamento de obras no Arquivo Municipal da Câmara de Lisboa.
Sobre o próprio, a personagem que procuro, o idealista que uma vez abandonou a regência da orquestra de  S. Carlos e combateu um incêndio de sobrecasaca e laço, encontro uma entradita na Wikipédia (retirada do site dos B. V. Lisbonioenses) e a descrição pormenorizada da obra de arquitetura que é o seu jazigo no cemitério dos Prazeres.
Fiquei assim a pensar como as listas da internet espelham um presente que por vezes prega partidas ao passado. Guilherme Cossoul é um nome muito presente, mas poucas entradas assinalam de facto o que ele deixou na História e conduzem-nos num percurso posterior que o seu nome seguiu, afastando-o daquelas que foram as linhas de vida da personagem histórica do séc. XIX.
A toponímia e as iniciativas culturais que nasceram do seu nome fizeram emergir todo um percurso post-mortem que quase esquece as razões de ser do "patrono" da rua, da cultura, de outros tempos... 
E lembrei-me do "estribilho" da canção da Susana Félix: o tempo tem mais olhos que barriga e por vezes devora e transforma uns alimentos da História, devolvendo-os numa 'nouvelle cuisine' quase irreconhecível.

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

O Impossível Carinho


"Escuta, eu não quero contar-te o meu desejo
Quero apenas contar-te a minha ternura
Ah se em troca de tanta felicidade que me dás
Eu te pudesse repor
- Eu soubesse repor -
No coração despedaçado
As mais puras alegrias de tua infância!"


Manuel Bandeira  (1886-1968)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

O tempo é de excessos!
Uns excedem-se em mesuras, outros atiçam amarguras...Nada é calmo nem sereno.
Os computadores não chegam para as urgências de registos deste tempo.
Afadigamo-nos parecendo convivas, quando só queremos que os outros vão à vida e nos deixem cumprir as tarefas que nos toldam o entendimento.
Custa assim ensinar a alegria e a serenidade. Custa assim acreditar que a Escola é um templo do saber. Mais parece um templo em que ao deus se dedicam sacrifícios humanos.

Corri pela ladeira abaixo deixando lá em cima o manicómio da sala de professores, com os autómatos ainda ligados ao tempo do relógio.

Hoje resolvi recuperar o que é meu!
Cheguei a casa e olhei para as paredes, para as estantes e resolvi que tinha o direito de existir, como eu mesma.
Hoje procurei os Poetas, para saber que existiram, que fizeram o mundo, em todas as épocas, que vão voltar e resgatar a Pátria, a Língua, o Ensino, a Cultura, a Paz e a Liberdade.
Porque é para nos libertarem que os Poetas escrevem. Para nos manterem vivos e únicos. Para que as suas palavras possam fazer eco num espírito que é só nosso, onde (ainda) não chegam diretamente os mails com que nos bombardeiam e as muitas instruções com que nos cegam.

Hoje procurei os Poetas. Hoje encontrei os Poetas.

"ESTROFES AO JEITO CLÁSSICO

Dos poetas se diga com justiça
Que os não há antigos ou modernos,
Quem escreve persevera e vai à liça
Que os poetas, em o sendo, são eternos

Fique Dante em Ravena ou no Olimpo
E Camões exilado a oriente
Que o cantar que nos legam é tão limpo
Como a água brotando da nascente

E o poeta que os poetas eterniza
Vertendo na fala de hoje o seu dizer
Muito mais que tradutor é pitonisa
Negando aos grandes o direito de morrer

Clássico é o metro desta lavra
Cintilante no garimpo de outros sons
E o poeta alcandorado na palavra
Rima sempre com a virtude dos seus dons.

José Jorge Letria in a vista desarmada; o tempo largo: antologia (poetas em homenagem a Vasco Graça Moura), Lx, Quetzal, 2012, p. 51

domingo, 9 de dezembro de 2012

Limites e limitações

Uniformização ou diversidade? Muito se discute sobre isto...O direito à diferença, a igualdade de oportunidades...mas um pouco de rumo, linhas orientadoras comuns, que por vezes limitassem as limitações de alguns que decidem também era bom.
Porque parece que existem fronteiras dentro do mesmo país...

Fronteira

De um lado terra, doutro lado terra;
De um lado gente. doutro lado gente;
Lados e filhos desta mesma serra,
O mesmo céu os olha e os consente.

O mesmo beijo aqui; o mesmo beijo além;
Uivos iguais de cão ou de alcatéia.
E a mesma lua lírica que vem
Corar meadas de uma velha teia.

Mas uma força que não tem razão,
Que não tem olhos, que não tem sentido,
Passa e reparte o coração
Do mais pequeno tojo adormecido.


Miguel Torga  (1907-1995)

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Maria Lamas

Cumpre-se hoje o 29º ano sobre a data em que Maria Lamas abandonou fisicamente este mundo.
Uma mulher a quem todos (mas muito particularmente nós, mulheres) devemos muito.
E por isso esta recordação é devida, aqui.

Morreu? Não morre...Curvemo-nos

"Não é o ângulo recto que me atrai, nem a linha recta, dura, inflexível, criada pelo homem. O que me atrai é a curva livre e sensual, a curva que encontro nas montanhas do meu país,
no curso sinuoso de seus rios, nas ondas do mar, no corpo da mulher preferida.
De curvas é feito todo o universo, o universo curvo de Einstein."


Oscar Niemeyer

terça-feira, 4 de dezembro de 2012

Essas Coisas

"Você não está mais na idade
de sofrer por essas coisas".

Há então a idade de sofrer
e a de não sofrer mais
por essas, essas coisas?

As coisas só deviam acontecer
para fazer sofrer
na idade própria de sofrer?

Ou não se devia sofrer
pelas coisas que causam sofrimento
pois vieram lá de fora, e a hora é calma?

E se não estou mais na idade sofrer
é por que estou morto, e morto
é a idade de não sentir as coisas, essas coisas?



Carlos Drummond de Andrade (1902-1988)

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Foi para iso que os poetas foram feitos

"semear tempestades
e assegurar que cresçam
foi para isso que os poetas foram feitos

esgrimir com a mais idónea
das espadas: a coragem
foi para isso que os poetas foram feitos

namorar a perfeição
e às vezes alcançá-la
foi para isso que os poetas foram feitos"


A.M. Pires Cabral, colhido em «a vista desarmada, o tempo largo: Antologia - poemas em homenagem s Vasco Graça Moura», Lx, Quetzal, 2012

domingo, 2 de dezembro de 2012

Como é que os Poetas podem já ter dito tudo o que estamos a sentir...e queremos dizer...e precisamos de dizer?
Já foi dito!
Já tudo foi dito.
Mas do tanto que já foi dito, como é que ainda pode haver tanto por sentir?

Despedida

"Por mim, e por vós, e por mais aquilo
que está onde as outras coisas nunca estão
deixo o mar bravo e o céu tranqüilo:
quero solidão.
Meu caminho é sem marcos nem paisagens.
E como o conheces ? - me perguntarão.
- Por não Ter palavras, por não ter imagem.
Nenhum inimigo e nenhum irmão.
Que procuras ?
Tudo.
Que desejas ?
Nada.
Viajo sozinha com o meu coração.
Não ando perdida, mas desencontrada.
Levo o meu rumo na minha mão.
A memória voou da minha fronte.
Voou meu amor, minha imaginação ...
Talvez eu morra antes do horizonte.
Memória, amor e o resto onde estarão?
Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra.
(Beijo-te, corpo meu, todo desilusão !
Estandarte triste de uma estranha guerra ... )
Quero solidão."


Cecília Meireles  (1901-1964)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Crónica de Ricardo Araújo Pereira

 «Após alguma reflexão sobre o assunto, ocorreu-me que talvez fosse importante que alguém apresentasse Vítor Gaspar a um ser humano.
Podia ser um encontro discreto, a dois, ...
só com um terceiro elemento que começasse por fazer as honras: "Vítor, é o ser humano. Ser humano, é o Vítor." E depois ficavam a sós, a conviver um bocadinho.
Perspicaz como é, o ministro haveria de reparar que, entre o ser humano e um algarismo, há duas ou três diferenças. O ser humano comparece com pouca frequência nas folhas de excel, ao contrário do algarismo. E o algarismo não passa fome nem morre, ao contrário do ser humano.
É raro encontrarmos uma lápide, no cemitério, com a inscrição: "Aqui jaz o algarismo 7. Faleceu na sequência de um engano numa multiplicação. Paz à sua alma." Mal o ministro tivesse percebido bem a diferença entre o ser humano e os números, poderia voltar às suas folhas de cálculo. Admito que se trata de uma experiência inédita, mas gostaria muito de a ver posta em prática.
Houve um tempo em que quem não soubesse de economia estava excluído da discussão política. Felizmente, esse tempo acabou. Os que percebem de economia são os primeiros a errar todos os cálculos, falhar todas as previsões, agravar os problemas que pretendiam resolver.
As propostas de um leigo talvez sejam absurdas, irrealistas e inexequíveis. Não faz mal: as do ministro também são. Estamos todos em pé de igualdade.
A realidade não aprecia economistas. Se um chimpanzé fosse ministro das Finanças, talvez a dívida aumentasse, o desemprego subisse e a recessão se agravasse. Ou seja, ninguém notava.
Como toda a gente, também tenho uma sugestão para reduzir a despesa. Proponho que Portugal venda uma auto-estrada para o Porto. Temos três, e não precisamos de todas. Há-de haver um país que esteja interessado numa auto-estrada para o Porto. Não há nenhuma auto-estrada para o Porto no Canadá, por exemplo. Nem na Noruega. (Eu confirmei estes dados.) São países ricos, aos quais uma auto-estrada para o Porto pode dar jeito. Fica a proposta. Não é a mais absurda que já vi.»

Ricardo Araújo Pereira, Visão, 29 novembro 2012

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Telha de vidro


"Quando a moça da cidade chegou
veio morar na fazenda,
na casa velha...
Tão velha!
Quem fez aquela casa foi o bisavô...
Deram-lhe para dormir a camarinha,
uma alcova sem luzes, tão escura!
mergulhada na tristura
de sua treva e de sua única portinha...

A moça não disse nada,
mas mandou buscar na cidade
uma telha de vidro...
Queria que ficasse iluminada
sua camarinha sem claridade...

Agora,
o quarto onde ela mora
é o quarto mais alegre da fazenda,
tão claro que, ao meio dia, aparece uma
renda de arabesco de sol nos ladrilhos
vermelhos,
que — coitados — tão velhos
só hoje é que conhecem a luz do dia...
A luz branca e fria
também se mete às vezes pelo clarão
da telha milagrosa...
Ou alguma estrela audaciosa
careteia
no espelho onde a moça se penteia.

Que linda camarinha! Era tão feia!
— Você me disse um dia
que sua vida era toda escuridão
cinzenta,
fria,
sem um luar, sem um clarão...
Por que você não experimenta?
A moça foi tão bem sucedida...
Ponha uma telha de vidro em sua vida!"

Raquel de Queiroz (1910-2003)

terça-feira, 20 de novembro de 2012

POEMA QUADRAGÉSIMO SEXTO

"Peço-te. Não pises as violetas
que trago no olhar.

Falemos dos brilhos estilhaçados
desta casa súbita que é o teu corpo
devoluto. A noite devora as palavras possíveis,
o sofrimento que pulsa em tua boca
e torna a minha boca vulnerável.
O amor é um nada que a liberta, uma luz
que desce dos ombros para o ventre
e fecunda as sementes da tua virgindade,
essa que faz agora parte de uma dor quase
amigável, na lividez do tempo,
e que entregas em minhas mãos, beijando-as,
tornando-te parte dos meus versos, da
minha forma mais profunda de gostar
de ti.

Amar-te, é escrever-te.
Amar-te é deixar que me toques até ser teu,
até que te deites no meu corpo e adormeças
inteira dentro de mim.

Peço-te. Não pises as violetas
que trago no olhar. Cheiram a ti. São para ti.
Um "bouquet" de palavras que floriram
neste tempo de amor."
 
Joaquim Pessoa
 

domingo, 18 de novembro de 2012

Vazio

Quem diz que um gato é apenas um bicho?
Quinta e sexta foram dias muito ocupados. Sábado prolonguei a presença na festa dos amigos até deixar de ser decente e delicado continuar por ali pendurada...a tentar não voltar para casa.
Hoje...é domingo.
E apercebo-me que, afinal, toda a minha independência, o meu gosto por viver sozinha, não eram verdade. Eu não estava sozinha, eu nunca estive sozinha: até agora!
Há um vazio enorme nesta casa!
Como é que um animal silencioso, que caminhava sobre almofadinhas para não fazer barulho, pode tornar um pequeno apartamento, numa casa grande e enormemente silenciosa?
Mistérios da amizade. Da saudade.

sábado, 17 de novembro de 2012

Hoje, não.

 
Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o mundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei. Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...
O porvir...
Sim, o porvir...
 
Adiamento - Fernando Pessoa

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Outono

Hoje à tarde

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Eterna Saudade

Ha um relogio parado, um candeeiro estragado e um coraçao partido nesta casa hoje.
A Gata Menina saiu hoje de casa para nunca mais voltar, dezasseis anos depois de ter aqui entrado pela primeira vez.

domingo, 11 de novembro de 2012

Estimação

Durante muito tempo a morte era o centro da vida.
Vivia-se falando na morte, preparando a morte.
A religião católica consagrou divindades à "Boa Morte" e "ao Bom Fim". O desejo de todos era ter uma boa morte, uma vez que essa seria o início da verdadeira vida.
A morte, porque muito frequente, era vivenciada por todos com a maior naturalidade.
Honravam-se os mortos, velavam-se os mortos em casa (Alice Vieira tem ums crónica maravilhosa sobre a forma como a mesa da sala de jantar da casa de suas tias se tornava periodicamente suporte para os caixões de familiares e amigos, voltando depois a desempenhar a sua principal missão, com naturalidade), esperava-se a morte quando ela se aproximava. Não se afastava a morte de casa, das conversas, dos sonhos. Ela era omnipresente.
Depois chegaram os hospitais, os lares, as famílias assoberbadas de trabalho e nucleares - seja lá isso o que for - a rude realidade de uma família pequenina, arrumada num T1, onde mal cabiam a saca de batas e o garrafão de azeite que a família da terra fazia de questão de meter na mala do carro na visita anual dos familiares.
Os velhos estavam lá longe, no campo, que a vida da cidade não dava para aqueles ritmos que envolviam pores do sol e orvalhos.
A electricidade eliminou os horários. Todo o tempo é tempo de tudo e o descanso faz-se entre apitos de desperatdores e lembretes de telemóveis.
Família mais pequena e longínqua, corresponde a menos mortes e vividas de forma mais apressada, com direito a tempo legislado conforme a quantificação do desgosto em lei. Pai, mãe, avós, cônjuge, os amigos nem lá estão e só a complacência de um médico poderá avaliar o estrago causado em nós pela partida de alguém com quem não tínhamos outro laço senão o de termos criado uma empatia para a vida toda.
A morte foi sendo afastada do nosso quotidiano. Mas, em vez de a tornar um acontecimento de somenos importância, parece que nos apanha sempre de surpresa e nos magoa cada vez mais. Não estávamos preparados...Mas não devíamos estar? Se há coisa certa é a morte. Mas...
As crianças deixaram de ir a funerais. Ficam em casa com amigos, enquanto a família se dirige à Casa Mortuária, de preferência lá perto do cemitério, longe do centro da cidade que continua a borbulhar, alheia a "toques de finados" e terços rezados por semi-profissionais do velório.
A morte é um assunto muito raro...e perturbador. "Não devíamos passar por isto", não sabemos passar por isto. E criamos profissionais e grupos de ajuda para nos ensinarem a superar as perdas.
A morte, adiada o mais possível, é hoje vivida como algo de exceção, que todos sabemos que existe mas não nos preparamos para lidar com ela. Porque durante praticamente toda a vida a afastamos dos nossos discursos e das nossas vivências.
E hoje a vida pode prolongar-se...parece até que para sempre.
"Professora: acha que a ciência um dia vai descobrir maneira de sermos imortais?"; "Não sei, talvez. E queremos ser imortais?" - "Eu quero", disse o coro.
Eu não sei se quero, mas queria que os outros fossem. E que fossem eles a viver a minha partida e não o contrário.
Eu não sei viver as perdas. E desde tão nova lidei com elas!
Eu não sei sequer como vou enfrentar a perda da minha gata, companheira de 16 anos, que está por dias.
Podia ter sido ontem. Apagava-se como uma velinha, o corpo a esfriar, uns gemidos ténues. E eu pensei que era capaz de a deixar morrer, mas não fui.
Está lá agora, com as agulhas de soro enfiadas nas patas. O corpo já aqueceu. Toma agora medicamentos para que a bexiga funcione, porque ela quer parar.
Queria ter coragem para ir lá amanhã e trazê-la para casa. Deixá-la apagar.se assim, como será natural, mas não sei se sou capaz.Queria embrulhá-la num cobertor, fazer-lhe festas na pata e deixa-la partir. Ela está preparada para partir. Eu é que não estou. Tenho de saber deixa-la ir. Tenho de saber parar com isto, com este prolongamento artificial aos arranques de uma vida que não tem mais tempo.
Curiosamente apercebo-me que nunca co-habitei 16 anos seguidos com ninguém. Só mesmo com esta teimosinha peluda, miona, exigente e meiga, que vai partir.
O que será que aconteceu aos gatos do Manuel António Pina? Como estarão a encarar a partida do dono?

quinta-feira, 8 de novembro de 2012

O Silêncio da Palavra

A palavra anoitece
...veste a escuridão
segreda-me os intuitos
com um hálito de cacimba.
Rotas e rotas
desenhadas no tempo
contam-nos histórias
momentos,
de intensos saberes…

A palavra é o silêncio.
Um chilrear,
acorda-nos devagar…

A luz brilha
no horizonte
vestindo a palavra
de um nenúfar
apoteótico
coberto de ilusão.

A palavra arrefece
na mudança de mão
de voz
esquece-se
e na solidão
fica quieta
presa
na escuridão…

A palavra é o silêncio
a pedra,
a história
ou o tempo que morreu…

despida,
perdida,

cala-se então!

Paulo Afonso Ramos, 2011

Vózinha:

- O que é o almoço?
- Cascas de tremoço.
- E o jantar?
- Bordas de alguidar.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Oh!

Hoje estou doente.
A minha avó Mila fazia sempre "um arrozinho de manteiga" quando eu estava doente.
Arranjei uma cebola pequenina, coloquei uma nozinha de manteiga...eu achei que estava tudo igual...
Afinal não é um arroz qualquer que cura. Era mesmo o "arrozinho de manteiga da avó Mila".

E como a minha avó era muito divertida e tinha os mais inusitados versos para todas as ocasiões, assim que exclamei um 'Oh' desiludido, ecoou no meu espírito: "Oh, disse o Diabo quando viu o cú à avó".

Tenho saudades da minha avó.-Oh!

Herança

E recebi resposta do médico.
Que afinal era o filho.
O médico que me salvou faleceu há 15 anos. Parece ter sido uma pessoa excepcional e ter contribuído muito para o avanço da Pediatria e do Hospital D. Estefânia, do qual foi Diretor.
O filho resumiu-me, com muito orgulho, a carreira dele e agradeceu o email.
Fica-lhe em herança mais esta recordação do pai, a quem devo a vida, que poderia ter terminado ainda na infância.

Sinto-me feliz por ter enviado o email, mesmo não sendo ao próprio médico, porque as recordações são também um patrmónio que se herda.

Achei muito curioso que, pelo meio do resumo (emocionado) que faz da carreira do pai, este Dr. refere que ele tinha o Curso de Piano do Conservatório. E fico a pensar nos pormenores que seleccionamos de alguém quando o apresentamos. Do muito que temos para dizer, o que escolhemos referir.

A História é sempre um relato pessoal e, como tal, selectivo.

terça-feira, 6 de novembro de 2012

A Linha da Fortuna

Creio que era ainda muito nova quando li - provavelmente numa revista feminina - que devíamos fazer um exercício diário de contabilizar o que foi bom e mau ao fim de cada dia, para dar o valor real ao que temos, blá, blá, blá...
Entusiasmada, passei a receita à minha mãe depressiva, que com a mestria que lhe era característica,  destruiu os meus argumentos todinhos. Não sobrou nada. Com uma negatividade tenaz destruiu cada elemento da minha lista, justificando com sólidos argumentos, a sua passagem para o outro lado da barricada. Tudo podia ser melhor, tudo era uma conspiração do universo para a prejudicar, todos os outros tinham mais sorte que ela.
Embalada por aquele fado, tentei ainda por uns largos tempos, inverter a coisa, até perceber que nada havia a fazer.
Ficou-me o hábito do exercício (não diário, verdadeiramente) de pesar numa balança valorativa os eventos que vão marcando a minha vida. E o saldo é quase sempre positivo. Não sem esforço, é certo. Mas o final é positivo.
Num desses esforços de encontrar a linha cor de rosa que eu quero que conduza a minha vida - o que exige um esforço cada vez mais elaborado, reconheço - dei comigo a recordar momentos dramáticos e felizes em que a minha vida tem beneficiado de encontrar as pessoas, os lugares, os contextos certos. Como na apendicite que enfrentei aos 11 anos, numa operação de urgência. Recordava-me do nome do médico. Era muito novo e acho que andava sempre a ver "a paciente". De tal maneira que aproveitaram para me dar alta quando ele foi de férias. Era um verão muito quente e a estadia no Hospital D. Estefânia soube-me a colónia de férias.
Recordo os momentos ternurentos em que me deixavam colocar os termómetros aos bébés ou a aventura que era escaparmo-nos, com as luzes já apagadas, para a sala da televisão para não perder o Espaço 1999.
Injeções e pensos à parte, eu recordo mesmo umas férias muito divertidas.
De repente penso: Que será feito do médico? Ainda exercerá medicina? Será que o consigo encontrar num motor de busca?
E vá de buscá-lo.
Ah, maravilhas da técnica moderna!
Encontrei-o num hospital privado. Escrevi para o mail geral do Hospital e dias depois ele respondeu, a agradecer o contacto e a pedir pormenores que o levassem a recordar a situação.
Acabei de lhe escrever, agora que cheguei a casa, feliz por ter sido cumprimentada por uma ex-aluna, agora caixa num supermercado, que eu já não via (e não reconheceria) há muito tempo. Senti-me bem por ela me ter cumprimentado com uma alegria genuína.
Resolvi contar a história "ao meu doutor" e agradecer-lhe por poder estar aqui hoje, a ele, ao Serviço Nacional de Saúde e ao Estado Social de poderá ser afundado, perdão, refundido...não, refundado, um dia destes.
Foi uma "conversa" catártica. Sinto-me bem de o ter feito. Espero ter feito também bem ao médico, que hoje já nem é Pediatra.
Maravilhas da comunicação moderna!

domingo, 4 de novembro de 2012

Um iogurte de soja e um chá de limão depois tenho de interiorizar que o quotidiano recomeça amanhã.

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Feriado

O Feriado é um dia excepcional, verdadeiramente.
Diferente dos fins-de-semana, esperados, ritmados, sincopados, o feriado surge assim "das brumas da memória" para nos interromper as nossas rotinas.
O Feriado não tem nada programado. (Já estou a ver os leitores, de cenho franzido, indignados com tal afirmação: "Como não tem nada marcado? Tanto que eu esperei por ele, para ir ver a família, realizar aquele passeio ou para, tradicionalmente, assinalar o seu verdadeiro sentido e homenagear os mortos da família").
Talvez...não sendo católica praticante e tendo sido massacrada toda a minha infância e juventude com as revoadas de flores para o cemitério, para agradar aos que já tinham morrido, deixando à míngua de atenção os que poderiam morrer a qualquer momento (ou que se calhar ia morrendo, pelos menos em partes) não assinalo o Feriado no seu sentido (a). Sei-o, comunico-o, respeito-o, mas para mim é um bónus inesperado que irrompe na minha semana e que rasga um sol de preguiça no seio de mais uma semana.
Nem para o "Pão por Deus", para o qual tinha abastecido a despensa ontem, me apeteceu abrir a porta, perante os toques impertinentes (se calhar eram só alegres, sei lá) dos jovens que provavelmente eram meus alunos e a quem não me apetecia enfrentar com o cabelo desgrenhado e o fofo roupão cor de cereja que sempre me faz pensar em lordes a fumar cachimbo, enquanto lêem preguiçosamente o jornal.
Não abri. Não fui tomar café. Não me vesti.
Arranjei um belo tabuleiro de café. O seviço da Vista Alegre ficou ainda mais alegre com as coloridas frutas de que me servi. O tabuleiro estava digno de uma Lady servida por criadagem.
Depois...o Feriado é o dia ideal para terminar um livro.
Quando nos apaixonamos por um livro, os poucos tempos livres da semana sabem a pouco, a uma traição a uma paixão: uma paixão precisa de tempo inteiro.
Acolhi no colo a prosa de José Eduardo Agualusa para o desenlace da vida daquelas personagens que misturam a realidade com a fantasia, os seres naturais com os sobrenaturais...
Lágrimas e risos depois estava tudo terminado num espanto de descoberta.
Gostei. Gostei muito da prosa de Agualusa. Só o conhecia das crónicas. Fiquei com vontade de ler mais.
Agora a casa cheira a cozinhados. Talvez alguém passe na escada e aspire hoje o perfume de lar que daqui se emana, como eu costumo fazer nos outros dias, nos dias normais que não são Feriado.
Filmes, séries, gavetas arrumadas.
O dia de amanhã é só o resto da semana. Uma interrupção num descanso que me parece legítimo.
Não sem culpa.
Quatro turmas de testes acumulam-se acusatoriamente na mesa da sala.
Mas o meu ordenado diminuiu, o meu tempo de trabalho presencial na escola aumentou, as turmas cresceram em alunos cada uma e mais uma no total. São sete turmas, a mais de 20 alunos cada uma. A minha direção de turma tem 27 alunos. E os pais, e os filhos e os papeis.
Deveria trabalhar no Feriado? Não, não deveria.
A minha motivação diminuiu ainda mais que o meu ordenado e contra isso pouco há a fazer.
Sou um número, sou um código, sou um risco na estatística e daqui a pouco uma exceção numa sociedade de desempregados. Ou não, que o que tomei por seguro já não dá garantias e este ano letivo bem notório está a ser.
Cumprirei o que devo, para com os meus alunos. Continuo a acreditar muito no que faço, a sentir-me compreendida por alunos que já perceberam tudo: um, um dia destes, disse-me que eu vivo no mundo do «devia ser» e que penso como os filósofos. Ele disse-o com ar de desprezo, eu aceitei-o como um elogio e uma condenação. Que tenho de cumprir. Fiel que me sinto a mim mesma. Isolada, Espantada com o que vejo em volta.
Penso em todos os que devem ter sentido coisas parecidas - o mundo a desmoronar - noutras crises que a Hstória alberga, arrumadinhas, em páginas com número limitado de caracteres, que nos lembram dos outros. Como alguém um dia se vai lembrar de nós. Vai?

"Não se atormente mais. Os erros nos corrigem. Talvez seja necessário esquecer. Devíamos praticar o esquecimento.
Jerónimo abanou a cabeça irritado. Rabiscou mais umas palavras no pequeno caderno. Entregou-o ao filho.
O pai não quer esquecer. Esquecer é morrer, diz ele. Esquecer é uma rendição."
Teoria Geral do Esquecimento, p. 221.

E porque não quero esquecer nem relevar o que me estão a fazer, o que nos estão a fazer a todos, culpando-nos da crise, envolvendo-nos na nossa culpa para legitimar todas as perdas de direitos, talvez vá começar mais um livro, para gastar em tempo próprio o Feriado. Um livro que me leve para o mundo do «deve ser» ou do pode ser, porque preciso que a ficção me salve da realidade. 

(a) Nota: Eu sei que o Dia dos Fieis Defuntos é amanhã, mas também sei que grande parte das pessoas aproveita o feriado para guarnecer as campas para que os seus entes queridos estejam confortáveis no dia certo e para que as línguas dos vizinhos não tenham motivos concretos, num dia que se assinala de saudade e elevação de orações.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012

Doi-me o Mundo

A Revista do MINOM (Movimento Internacional para a Nova Museologia) deste mês traz imagens e palavras de amigos museólogos que faleceram recentemente.
Olho para as fotos deles. Recordo momentos com eles, com dois deles, mais concretamente: um orientou-me um estágio no estrangeiro e ensinou-me muitas coisas úteis para a vida, outro foi  meu professor e acreditou em mim a ponto de me encorajar a apresentar um trabalho em público.
Devo-lhes muito. Felizmente tive oportunidade de agradecer a ambos o tanto que me marcaram.
Em frases simples, com ensinamentos profundos, como um dia que eu me queixava de uma autoridade abusiva de alguém que tutelava o meu trabalho e o Professor me disse, assim, tão singelamente: "As pessoas esquecem-se frequentemente que autoridade vem de autor: para se ter autoridade tem de se ser autor."
Sorrio sempre que cruzo autoridades sem autoria de nada. Acho que recebi em herança este sorriso, este segredo que guardo comigo de saber que aquela autoridade é ilegítima, porque não baseada numa autoria.
Sou herdeira de homens que pensaram e se exprimiram assim:
"A utopia é o lugar em que a humanidade atingiu a felicidade plena pela satisfação em condições de dignidade das instâncias sociais, económicas, políticas e culturais. Aí é que é o fim do nosso caminho! Nesse dia já não precisaremos de Museus. Nem dos outros instrumentos sociais que concorrem para a realização plena do Homem pluridimensional. Até lá vamos caminhando!" (Alfredo Tinoco, in XVII Jornadas sobre a Função Social do Museu, 2006 (Excerto)
Este é apenas um excerto de um conjunto de palavras que eram sempre lições, inspirações, lideranças de caminhadas. Utopias? Quem consegue negar a sua necessidade no avanço da Humanidade?
Talvez sejam elas que fazem falta por aí, por aqui, sobretudo.
Sinto-me herdeira de homens assim e olhando em volta doi-me o mundo, ou melhor, doo-me do mundo.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012

Lamúria

Agora que recomeçou a chuva penso por vezes naquela anedota do alentejano que é o único passageiro de um autocarro e chove no lugar em que está sentado.
Quando o motorista lhe diz: Oh homem! Porque é que não troca de lugar, ele responde que "Nã tem com quem".

Amanhã volto à Escola e penso que gostava de poder trocar opiniões com outras pessoas, mas...

domingo, 21 de outubro de 2012

Amanhã volto a estar rodeada de pessoas

"Uma dessas figuras a que, em Angola, é costume chamar «fronteiras perdidas», porque à luz do sol parecem brancos, e na penumbra se revelam, afinal, amulatados   - de onde se conclui que, por vezes, as pessoas se conhecem melhor longe da luz."

José Eduardo Agualusa, Teoria Geral do Esquecimento, p. 179

Tragédia

Morreu Manuel António Pina, na sexta-feira.
Chorei.
Li e chorei.
O poeta a quem o semanário Sol chama "O Gato da Poesia" não vai mais criar palavras para as nossas vidas.
A morte de um Poeta, num tempo de crise como o nosso, é um drama de grandes dimensões, Numa época em que não se está a aprender a pensar, os que o sabiam fazer de forma natural, ajudavam-nos a sobreviver com a sua forma de ver o mundo: em poesia, em prosa, em imagens, mas sempre numa outra forma diferente da que nos entra diariamente pela casa dentro e nos aprisiona no sofá perante o medo do fim iminente e a nossa culpa na contribuição para esse fim e a nossa impotência perante a sua chegada.
Pensar tornou-se um luxo, uma ociosidade nos tempos que correm, capitalistas. Sobrecarregam-nos os horários e as funções para que não tenhamos tempo de ver e refletir na forma como nos esvaziam os ordenados, as atividades, as vidas...
Os Poetas - só os Poetas - nos podem ajudar, nos podem iluminar caminhos, dar esperança.
Morreu um Poeta. A Esperança fica mais difícil.


A Poesia vai acabar

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: «Que fez algum
poeta por este senhor?» E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
— Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? —

Manuel António Pina, in "Ainda não é o Fim nem o Princípio do Mundo. Calma é Apenas um Pouco Tarde"

Estão a ver onde quero chegar?

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Ou para apedrejarmos a crise...


"POEMA PARA HABITAR

A casa desabitada que nós somos
pede que a venham habitar,
...que lhe abram as portas e as janelas
e deixem passear o vento pelos corredores.
Que lhe limpem os vidros da alma
e ponham a flutuar as cortinas do sangue
– até que uma aurora simples nos visite
com o seu corpo de sol desgrenhado e quente.
Até que uma flor de incêndio rompa
o solo das lágrimas carbonizadas e férteis.
Até que as palavras de pedra que arrancamos da língua
sejam aproveitadas para apedrejarmos a morte."  

Albano Martins
Há uma grande diferença entre um chefe e um líder: o primeiro manda, o segundo motiva, congregando vontades e energias em torno das suas ideias.

Para mim a qualidade de um dirigente mede-se pela capacidade de assumir erros, pela humildade demonstrada e pela capacidade de aprender com outros, que se tornam, assim, parte de uma equipa.

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

GPS

"E os instrumentos de navegação astronómica permitiam calcular a localização a partir dos astros. No fundo...foram os antepassados do GPS.
Eu prefiro o outro sistema - disse o aluno, provavelmento o melhor da turma.
Qual outro? - interroguei
O AJP.
AJP?
Abrir a Janela e perguntar."

terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mais um microconto

"Desde que ela para ali fora trabalhar que era evidente a cumplicidade entre ambos. Cedo começaram a trocar olhares e palavras doces. Naquela tarde de Abril, numa reunião a dois, trocaram os primeiros beijos. Apesar de tudo ter acontecido durante o expediente, para ambos, foram horas extraordinárias."
colhido em https://www.facebook.com/#!/microcontos?fref=ts

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

Prece

Museu Nacional do Azulejo

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Pouco a pouco tudo volta ao lugar.
Mas a Fé está muito abalada.
Procuro uma explicação, exijo uma explicação...
E não me digam que a minha fé se abala com pouca coisa, que ver um grupo de jovens, trajados a rigor académico (que normalmente associamos a tunas, festas e alegria e loucura por demais) a carregar o caixão de um colega, que morreu, assim, sem um motivo que se veja, não é pouca coisa.
É muita coisa.
É uma coisa sem explicação.
São linhas tortas demais...para que haja direito.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Morte

A morte está no fim da vida.
Nunca nos conformamos com a perda dos que nos são próximos porque queridos, mas, a partir de certa altura, inevitavelmente, quando as pessoas entram na velhice (seja isso o que for) pensamos "qualquer dia ficamos sem ele..." E um dia ficamos e doi muito, mas, de certa forma, era algo que esperávamos, temíamos, antecipávamos.
Em situações potencialmente perigosas - uma doença, uma viagem de avião... - rezamos, pedimos, tememos.
Mas, que dizer, de uma morte que chega, estúpida, abrupta, sem apelo, numa vida de promessas, sorriso jovem, hábitos saudáveis, pele lisa, a vida pela frente? Como encarar esta traição? Esta não-situação, porque não se concebe, nega-se, não pode mesmo acontecer...é quase impossível de acreditar, creio que será impossível de aceitar...
Durante todo o dia me tenho defrontado com a estupidez da ausência de "alguém" ou "algo" a quem culpar! Não há uma hipótese de lógica em tudo isto.
Uma vida ceifada aos 24 anos acabados de fazer, num jovem de simpatia e comportamento irrepeensível, daqueles de quem dissémos: Este vai longe!
Que explicação pode haver para isto?
Será que lá por cima alguém joga uma roleta russa com as nossas vidas?

Este será, penso, a quarta perda entre os jovens a quem anuncio e entrego o futuro todos os dias.
Como estará esta família nesta noite?

sábado, 29 de setembro de 2012

Ga-tu

"Há um deus único e secreto
em cada gato inconcreto
governando um mundo efémero
onde estamos de passagem

...Um deus que nos hospeda
nos seus vastos aposentos
de nervos, ausências, pressentimentos,
e de longe nos observa

Somos intrusos, bárbaros amigáveis,
e compassivo o deus
permite que o sirvamos
e a ilusão de que o tocamos."

Manuel António Pina

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Sem título, mas com muita fé

"Nas escolas reside a esperança toda de que, um dia, o mundo seja um condomínio de gente bem formada, apaziguada com a sua condição mortal mas esforçada para se transcender no alcance da felicidade."

Valter Hugo Mãe, Os Professores, Jornal de Letras nº 1095.



     "A escola, como mundo completo, podia ser esse lugar perfeito de liberdade intelectual , de liberdade superior onde cada indivíduo se vota a encontrar o seu mais genuíno, honesto, caminho. Os professores são quem ainda pode, por delicado e precioso ofício, tornar-se o caminho das pedras na porcaria de mundo em que o mundo se tem vindo a tornar.
     (...)
     As escolas não podem ser transformadas em lugares de guerra. Os professores não podem ser reduzidos a burocratas e não são elásticos. Não é indiferente ensinar vinte ou trinta pessoas ao mesmo tempo. Os alunos não podem abdicar da maravilha nem do entusiasmo do conhecimento. E um país que forma os seus cidadãos e depois os exporta sem piedade e por qualquer preço é um país que enlouqueceu. Um país que não se ocupa com a delicada tarefa de educar, não serve para nada. Está a suicidar-se. Odeia e odeia-se."

Valter Hugo Mãe, Os Professores, Jornal de Letras nº 1095.

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Guião

Mas porque é que as coisas, na vida real, não acontecem tão depressa (e tão bem) como nos últimos episódios das telenovelas?
Deve ser um problema da equipa de guinistas...Mas também é bom pensar que os últimos episódios ainda estão longe!

terça-feira, 25 de setembro de 2012

domingo, 23 de setembro de 2012

M

E perante os tecidos para escolher, levantei os olhos para ele. Pareceu estupfacto. Como eu esperasse uma resposta disparou: tu é que és mulher!
Empertiguei-me toda de raiva. Que tinha o ser mulher a ver com a coisa? Acaso vínhamos equipadas com um curso de decoração?
A discussão seria muito desagradável na loja e havia uma decisão a ser tomada. Pensei rapidamente: Vale a pena entrares neste "bate-boca"? Ele é nitidamente preconceituoso, mas está a dar-te a primazia da escolha o que te dá legitimidade para qualquer coisa...
Olhei-o ainda de soslaio: parecia hesitante, como se não compreendesse alguma coisa; provavelmente porque é que eu queria a sua opinião.
Decidi rapidamente e nem olhei mais para ele. A situação estava resolvida.
Eu estava incomodada. Apetecia-me explodir, mas nem sabia bem com quê. A sensação que eu tinha é que ele não ia perceber a minha irritação. E nem eu percebia porque estava tão irritada assim.
Agarrámos os sacos. Despedidas feitas. À porta da loja ele espera que eu passe primeiro.
E então eu percebi: é todo um pacote de preconceitos, de ideias feitas, de tratamento preferencial! Preferencial?
Entregámos tudo no escritório à hora combinada. Os outros colegas dariam forma aos cortinados, toalhas, guardanapos e outros acessórios para a festa temática. Nós tínhamos sido apenas "escalados" para a compra dos tecidos, outros o foram para as louças, outros ficaram encarregues da distribuição das mesas, outros da confeção do menu, outros do correto e pronto abastecimento de todos durante a festa, outros da receção e segurança.
Estava tudo certo. Porque estava eu então incomodada? Até tinha ficado com uma função que me agradava. Tecidos entregues não tinha que me preocupar mais com o assunto e não pregaria um alfinete ou sujaria as mãos na massa e no dia da festa podia deambular fresca e comunicativa como eu gostava.
Mas porque é que ele não tinha dado uma opinião? Então servia para quê? Para carregar os sacos? Isso também eu podia fazer. Para me acompanhar? A irritação subia de tom. Para legitimar as minhas escolhas?
Não sabia bem o que me incomodava...
Talvez o facto de me ter sabido bem o seu ato cavalheiro ao dar-me passagem na porta da loja...
O que me incomodava era que eu queria uma parte da imagem de Mulher que ele me oferecia...Mas estão porque fiquei agredida com aquele "tu é que és Mulher!"?
De quem era o preconceito afinal?
Será que na minha cabeça os papeis estavam mesmo referenciados como iguais?
Fiquei confusa e baralhada.
A noite foi carregada de sonhos mais confusos do que conseguia lembrar-me no dia seguinte. Pelos flashes que me vinham à memória poderia concluir - se o quisesse, se o conseguisse admitir - que o que me  incomodava em tudo aquilo era o facto de não lhe ter respondido... porque me congratulava por ele ter assinalado com letra maiúscula que eu era Mulher.
Que disparate! Como se podia dizer, face a um discurso oral, que ele usara maiúsculas? Tudo isto não passava de um disparate pegado. Porque não lhe tinha respondido logo então? Como faria a qualquer outro gajo?
Porque afinal de contas não deixava de ser uma satisfação que ele tivesse notado (e o tivesse dito em voz alta)  que eu era uma mulher, com M maiúsculo, com atributos femininos bem marcados. Bolas! Porque eu já tinha reparado que ele era um homem com H maiúsculo, porque pensava muitas vezes nele, porque queria que ele reparasse em mim e não queria espantá-lo. Pronto, já disse!
O que me incomodava era o facto de me sentir atraída por ele. De ter calado a discussão na garganta "para não espantar a caça". De me sentir vulgar. De me sentir algo animal. De me sentir como há muito tempo não me sentia.
E de me sentir assustada.
Defendia-me antes de tempo daquele M de Mesa posta, de Mãe, de Mulher dito com voz simultaneamente doce e possessiva; de Minha...
Defendia-me de ter sentido qualquer coisa naquela frase, naquele entregar-me os assuntos, naquele confiar em mim, ou dividir as tarefas comigo, naquele estarmos assim: essa é a tua função, poque eu quero que seja, porque a minha será outra: está tudo certo entre nós. Existe um nós...
De quem era o preconceito? Porquê a necessidade de defesa se ninguém me tinha atacado?
O que é que se estava a passar comigo?
Afinal não iria à festa tão descontraída como queria, como pensava que iria. Se ele me atribuía o M maiúsculo gostaria de olhar para uma Mulher bem vestida. Que fazer? Seria capaz?
O M afinal era de Medo, de Muito Medo.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

E eu

que parei uma aula hoje porque alguns alunos estavam a falar em simultâneo, tive de me levantar para desligar a televisão, que estava sintonizada num debate da RTPInformação com representantes dos diversos partidos com assento na Assembleia da República.
O debate estava a ser intercalado com imagens - profusamente ilustradas pelos comentários dos jornalistas - de alguma violência à porta do Palácio de Belém.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Nos sombreados da História

A Liberdade e a Igualdade parecia não estar completa para eles sem a Fraternidade.
Pareceu-me estranho chegarem logo à terceira palavra (conceito).
Afinal a culpa era das moedas "Aquela cena que os franceses têm lá nas moedas".
Foi difícil chegar ao sinónimo que eu queria. Tivemos de passar primeiro pelo amor e a amizade, em afirmações que me pareceram melosas. Queria eu a força da Solidariedade. Encontramo-la; para logo esbarrar no muro erguido por um petiz, desalentado: "Isso não há muito".
"Não há?", questiono.
"Não".
"Porque dizes isso?"
"Vê-se pouco..."
Talvez seja para não se ver...
Talvez isto me esteja a parecer assustador. Para os meus alunos só existe o que se vê na televisão. E a Solidariedade - que existe, felizmente - não existe para ser vista, para se fazer dela um espetáculo. Ou pelo menos, parte dela (a parte genuína, gosto de pensar) não dá nas vistas, é discreta...e por isso não existe nesta sociedade do que se quer mostrar, do que se quer que fique para a História. Essa, que guarda muitas vezes só o que está na fila da frente.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

ESTA GENTE / ESSA GENTE

"O que é preciso é gente
gente com dente
gente que tenha dente
...que mostre o dente

Gente que não seja decente
nem docente
nem docemente
nem delicodocemente
Gente com mente
com sã mente
que sinta que não mente
que sinta o dente são e a mente

Gente que enterre o dente
que fira de unha e dente
e mostre o dente potente
ao prepotente

O que é preciso é gente
que atire fora com essa gente

Essa gente dominada por essa gente
não sente como a gente
não quer
ser dominada por gente

NENHUMA!

A gente
só é dominada por essa gente
quando não sabe que é gente"

Ana Hatherly

domingo, 16 de setembro de 2012

Para todos os que lidam com pessoas

esta frase deveria ser de reflexão obrigatória.
“Todo o mundo é um génio. Mas se você julgar um peixe pela sua habilidade de escalar  uma árvore, ele viverá sua vida inteira acreditando que é estúpido.”
Albert Einstein
Amanhã recomeço o meu trabalho com os adultos do futuro. Amanhã recomeço a dar aulas de História!

sábado, 15 de setembro de 2012

Manif

Foi bonito...foi sobretudo muito emocionante...saber que ainda é possível.
Senti que tinha que lá estar. E estive. E estive inteira. Mas...
Estou céptica, receosa, intrigada. Para mim a política partidária já deu o que tinha a dar. O sistema está podre. Será que estas manifestações na rua são o início de outra coisa? Que outra coisa?
Queria acreditar no poder dos cidadãos, nessa coisa a que agora se chama a sociedade civil, no fim destas continuidades políticas que não são outras coisas senão o perpetuar de um rotativismo bacoco para cumprir tradições, democráticas para uns, oligárquicas para outros, sem sentido para muitos.
Tenho medo de deixar de ter vontade de votar.
Tenho medo de me demitir de acreditar.
Não sei o que se pode fazer. Mas hoje senti que tinha de lá estar. Leiria tinha famílias inteiras no desfile que percorreu as ruas da cidade. Foi calmo, apartidário, sem protagonismos, como cria que iria ser.
Caminhei, conversei, empenhei-me, fiz o meu papel. Mas, no fundo de mim, eu só estava ali para mostrar que não estou de acordo, que temo que este país não aguente, que tudo deixe de ter significado, que eu não consiga ensinar meninos sem esperança e sem alimento, numa escola sobrelotada, onde todos estamos a fazer o que devemos, mas poucos a fazer o que queremos. E o que devemos, é o que nos mandam fazer e não o que sabemos fazer. O que devemos à caminhada que iniciámos em prol do futuro (porque é disso que a Educação trata) por vezes já está sufocado pelo que vamos devendo fazer nas leis sobrepostas dos "senhores que mandam" e passam por lá sem humildade e sem saber que a Educação tem de estar para lá dos partidozinhos que os acolheram no seu seio e os alimentaram.
Eu queria ensinar a alegria de aprender e a possibilidade de crescer. Mas, e se eu própria não conseguir acreditar nisso? Tenho tanto medo de deixar de conseguir acreditar?
Foi esse medo que eu fui exprimir ali, fui explicar que tenho direito à esperança e que o meu dia a dia tem de voltar a ter perspetivas.
Fui à procura da esperança que vi explodir nas ruas a seguir ao 25 de Abril.
Falou-se muito de 25 de Abril. Cantou-se Zeca, a Grândola, proclamou-se que "O povo unido jamais será vencido", chorou-se no hino nacional e nos gritos por Portugal, por nós, pelo que já fomos, pelo que queremos ser, pelo que queremos que nos deixem ser.
Na mochila o livro que me acompanhou o almoço: O Poder dos Muitos: Povo, Classe e Multidão. Mas até esses textos só me agudizaram as interrogações: Quem somos? O que é o Povo? O que temos feito com o poder que temos? Temos?...Que legitimidade tem quem assina por nós? O que é ainda a Democracia?
Hoje estive lá. A mostrar "meu olhar, meu olhar, meu olhar", e meu sentir.
E agora? Que vão eles fazer?
E nós?

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Ouvi

hoje, no rádio, que o Governo reforçou o aparelho de segurança desde que nunciou as novas medidas de austeridade.
E pensei: Coitados dos seguranças! Devem estar a trabalhar em horas remanescentes - como os professores - uma vez que não se pode aumentar as despesas do Estado.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Hoje

tanto o discurso insistiu para não nos concentrarmos demasiado nas pedras do caminho...que creio precisar de umas botas novas reforçadas para este Inverno letivo.

"Dos Ideais a Gente não se reforma"

Esta frase foi destacada numa notícia do JN citando uns reformados de Braga na Festa do Avante.
Pois não. Quando temos ideais eles nunca se reformam: são eles que nos enformam - a nossa maneira de ver o mundo, de nos comportarmos, as posições que tomamos, por vezes nem nos permitem agir de outra forma, pois moldam muito das nossas visões e dos nossos comportamentos.

Depois de uma discussão que vou tendo frequentemente - «Se é legítimo queixarmo-nos do trabalho numa época em que há muito desemprego ou se essa dúvida não estará a acelerar a nossa perda de direitos» - leio o artigo do JN (via Facebook de um amigo) e penso no meu padrasto. Abandonou a militância no partido comunista e nunca nos disse porquê, mas frisou sempre que nunca deixaria (nem podia) de ser comunista.

Fazem-os falta mais pessoas que não se reformem dos ideais!

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Ouvindo o noticiário sobre um Governo que extinguiu o Ministério da Cultura

"Never trust anyone who has not brought a book with them."
Lemony Snicket citado por João Quadros em entrevista à Revista Ler

Saudades

Ao Sul

Praia

Monte Gordo - Algures em Agosto

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Palavrador

"O papel,
antes do poema,
é um chão depois da chuva.

O idioma do grão
lavra a caligrafia do pão."

Mia Couto

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Clic

Cheguei a casa ao fim da tarde, depois da primeira reunião.
Correu bem? Acho que sim...Sobretudo notei que tinha falado menos, colocado menos questões, procurado ser menos incómoda, numa tentativa de sobreviver melhor a este ano, de evitar um desgaste que costuma começar logo nos primeiros dias.
Cheguei calma? Cheguei...mas parece que estava assim...como que anestesiada, dentro de um torpor.
Tomei banho, dei comida à gata e sentei-me aqui para resolver umas questões.
Essas questões ainda estão por resolver - e já chega o cabo do dia, e ainda não jantei - porque, de repente, senti necessidade de me procurar no meu blogue. Talvez tenha sido para isso que o tenho escrito, não sei. Já ri e já chorei. Terei de fazer noitada para resolver as tais questões. Mas já me encontrei!
(Obrigada a quem reencontrei também neste caminho).

Citações...

"Começava a ter medo dos outros.
Aprendia que a nossa solidão nasce
da convivência humana."

Nelson Rodrigues

"As pessoas estão tão habituadas a ouvir mentiras, que sinceridade demais choca, faz com que você pareça arrogante."

Jô Soares

sábado, 1 de setembro de 2012

Contagem Decrescente

E foi o último dia de férias!
Já ocupado com os preparativos do regresso.
Esta sexta-feira fui ao cabeleireiro, à manicure e pedicure (tenho agora as unhas notoriamente azuis e o cabelo mais liso e brilhante) e comprei a Revista Super Interessante, cujo tema de capa é "Pessoas Tóxicas: Aprenda a lidar com Queixinhas, Intriguistas, Medíocres, Manipuladores, Agressivos, Invejosos". Tendo em conta que tenho uma t-shirt por estrear com a inscrição "Back to Cahos", considero que só me falta comprar a Agenda Escolar.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Micro Conto Roubado

"Quando chegou a casa, estranhou o silêncio e a escuridão. Em cima da mesa da cozinha estava um bloco de notas e neste estava escrito: “Amilcr, não consigo continuar. Só pensas em ti. O teu egoísmo sufocou-me, necessito respirar”. Sentou-se no sofá e de olhos cravados no tecto, deixou os pensamentos orbitarem pela sala. Não conseguia compreender como é que ela, uma professora primária, se tinha enganado a escrever o nome dele."

in https://www.facebook.com/#!/microcontos

Figuras de Praia

De manhã cedo, quando eu partira para um passeio na praia, aquele era o único café aberto. Uma barraquita de praia, com a publicidade da Olá; o homem alugava também toldos e cadeiras. O café era de máquina, daquelas que agora toda a gente tem em casa, e servido em copos de plástico. O homem, aí uns 50 anos, olhos esverdeados vivaços que se destacavam numa pele tisnada, movia-se com uma ligeireza apreciável num Algarve de gente indolente e com pouco brio no serviço. O café apareceu rápido e fumegante.
- Então e não quer mais nada? - os olhos de gaiato pedinchão - Uma bolinha com creme, acabadas de chegar...?
- Não...não, obrigada.
- Não sabe o que perde! - disse com ar de vendedor que sabe cativar o freguês.
De facto eu tinha visto chegar as bolas. Dois tabuleiros de plástico, carregados pelo moço que me precedera na passadeira de madeira que dava acesso à praia.
Paguei, segui o meu caminho, dizendo que talvez depois...
Mas, a insistência do vendedor, o seu ar gaiato ou a boa surpresa de ver alguém mexido e expedito pela primera vez, já no meio da semana de férias, não me deixou arrumar o pensamento. Ou mesmo a gula por uma bola fofinha, tradição de praia que não compreendo, mas engulo sempre com prazer.
O que é certo é que o meu passeio, uma hora e meia depois, acabou mesmo ali, em busca das anunciadas bolas e para repetir o saboroso café, enquanto beneficiava de uma sombra, mantendo os pés na areia. Já não foi o homem que me serviu, mas sim uma senhora simples, de cabelo branco e ar bondoso, que deveria ser a esposa.
Tinham mais ar de alentejanos que de algarvios, pensei.
O homem conversava adiante, com dois homens que estavam à sombra do seu toldo a vender conquilha. Apeteceu-me ir falar com ele: - Vê? Eu não lhe disse que voltava? Àquela hora não tinha fome, mas fiquei cá a pensar no assunto...e já está. Estava muito boa, mesmo.
- Gostou? Isso é que é preciso. - Ele tinha mesmo um ar matreiro que parece ter-se reforçado quando acrescentou - Mas agora limpe a boca que escusam de ficar todos sabendo. - E estendeu-me um guardanapo.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Efeméride Pessoal

Faz hoje exatamente dois anos que entreguei na Universidade a minha tese de doutoramento.
Foi uma longa e gratificante caminhada cujo términus quis associar ao dia de S. Bernardo, o chefe da Ordem de Cister, conhecido pela sua inteligência e persistência no trabalho, quer intelectual quer manual.
A Ordem de Cister está associada à independência de Portugal e ao estabelecimento de diversos mosteiros, que se tornaram centros de desenvolvimento.
Foi um dia muito feliz que me apraz hoje - em plenas férias - recordar.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Facebook

Espelho mágico
espelho meu
quem há no mundo
que gosta d'eu

quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Cor de granizado de framboesa para este Verão.

Pisca-pisca

- Olá Professora! Julgava-a de férias... - o pessoal da oficina do meu carro é muito afável, é sempre muito agradável ir lá.
- Ah...então vocês não souberam que eu perdi o meu companheiro de férias? - disse com ar circunspecto.
Fez-se um silêncio incomodativo e mesmo alguns clientes olharam para mim com espanto.
- Companheiro? Mas... - o Sr. Américo recompôs-se - A senhora sabe que aqui não queremos saber das vidas particulares - Mas lá no fundo pairava um certo espanto. Eu aparecia sempre sozinha; uma das coisas maravilhosas do serviço deles é tratarem o meu carro com o carinho de um órfão de elemento masculino em casa.
- Oh, mas como foi tão falado... - insiti eu, fazendo um grande esforço para me manter séria
- Falado...mas, foi acidente? Não me recordo de nada...
- E que acidente! - e já não consegui manter mais a brincadeira - Desde que fiquei sem o subsídio de férias há um vazio enorme na minha vida. Nem consegui ir para lado nenhum.
Os homens atrás do balcão riram com muito gosto: - Ah, professora. E nós aqui preocupados. Brincalhona!
Mas notei o ar abespinhado de um senhor, cliente, lá no canto do balcão. Seria falta de sentido de humor? Teria estado a passar em revista os seus conhecimentos de quadrilhice a ver em quais eu me enquadraria? Ou teria mesmo perdido alguém e não suportava brincadeiras relacionadas com isso?
Às vezes penso que a boa disposição de uns pode mesmo ser agressiva para outros, dependendo das circunstâncias. Fiquei um bocadinho incomodada, mas lá prossegui a conversa até saber que o barulho estranho do meu «pisca» se destinava a avisar-me que havia uma lâmpada fundida. É uma coisa que um companheiro de férias - que não o subsídio - teria concluído sem ajuda, mas que os afáveis mecânicos se prontificaram a resolver à Sra. Professora, como sempre.

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Ops!

"Ela já tinha a sua sala no deprtamento comercial há mais de um ano quando recebeu aquela chamada.
Viu que o telefone era interno, mas nada no visor indicava a sua proveniência. Atendeu.
- Estou?
- Ainda bem que está colega. É o telefonema inaugural deste telefone.
- Jorge! - gritou entusiasmada. Pensou, mais tarde, que tinha gritado num tom demasiadamente alto, mas estava sozinha no seu espaço.
O Jorge tinha entrado para a secção de vendas pouco depois dela. Tinha uns olhos azuis que a deixavam um bocadinho desorientada, mas nunca lhe dera a mínima esperança, recusando polidamente a maior parte dos seus convites para «um cafezinho» ou «um copo logo à noite», até ela ter desistido. Conversavam bastante enquanto colegas e respeitavam-se mutuamente como dois bons profissionais.
Entretanto ela tinha sido promovida e passaram a ver-se menos. Ele não fazia parte da equipa de vendedores que ela supervisonava e cada vez as suas passagens pelo balcão de vendas eram mais espaçadas. No início tinha a preocupação de mostrar que não tinha mudado por ter sido promovida e passava diariamente para cumprimentar os colegas com quem tinha privado nos últimos três anos. E não mudara, mas as funções eram outras. O trabalho apertava e a questão foi-se diluindo entre muitas outras coisas. Faziam questão de a convidar para um ou outro evento esporádico dos vendedores - um jantar de Natal, a festa para entregar a prenda dos gémeos que a Yolanda acabara de ter - e ela sentia-se feliz por isso, mas, na realidade, outras funções e outras rotinas tinham-na afastado dos anteriores colegas, sabendo que não havia mágoa ou mal entendidos entre eles.
Há bastante tempo que não pensava no Jorge e nos seus olhos azuis, no branco do seu sorriso e no sobrolho franzido de desaprovação em diferentes ocasiões. Nos primeiros tempos tinha frequente vontade de o convidar para um cafezinho, mas sentia que não devia. Se ele não queria, não tinha por que insistir. Mas ficara-lhe aquela vontade contrariada, a sensação de que poderia ter sido bom...um frustraçãozinha, que não deixava de ser excitante sempre que se lembrava dele. Talvez por isso aquele grito de surpresa e satisfação mal medido.
- De onde estás a telefonar?
- Da minha sala, colega - disse ele, enfatizando a última palavra. 
- A sério? 'tás cá em cima? - a satisfação era genuína
- 'Tou, pois. Fiquei com a sala e a equipa do Figueira, que sempre foi para a reforma. Cheguei hoje e esta é a primeira chamada do meu telefone, meu te-le-fo-ne. Ena, isto sabe mesmo bem.
Ela sorriu - Vaidoso! Vá...tu mereces. Fico muito satisfeita por ti. - uma pausa, hesitação e... - E por mim, também. Que recuperei o meu colega.
- Sem dúvida, moça. Agora tenho de ir trabalhar. Ver como isto é cá em cima, para não fazer má figura.
- Claro que não fazes. Se precisares de alguma coisa...
- Obrigada. Agora tenho mesmo de ir. Porta-te bem - terminou em tom afável
- Bom trabalho!  E parabéns.
Sem saber de onde saiu-lhe assim que deixou o telefone - Espero portar-me bem por pouco tempo agora que estás cá em cima.
Clic!
Ah..Era o som do telefone a desligar? N-nãoooo. Ele ainda não tinha desligado? Na-não devia ter ouvido...Porquê se tinha o telefone ligado? Ah..."

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Páginas Tantas

"Já ninguém sabia há quanto tempo ele "vivia" dentro de livros. Usava sempre um livro à frente do rosto, como os atores gregos usavam a sua máscara.
Os pais tentaram alertar para aquele comportamento esquisito do filho, certamente fruto de uma qualquer perturbação psicológica, mas a mulher e o filho não parecerem muito sensíveis à necessidade de agir. E as coisas foram continuando.
Ele próprio já não se questionava muito sobre isso. Lembrava-se vagamente que começara a sentir-se aflito com a quantidade de informação que achava que devia abosorver e como se sentia frequentemente pensando que falar com as pessoas era uma perda de tempo. Deve ter-se tornado um sentimento permanente e concentrou-se totalmente em ler, ler tudo o que podia. Lia a andar, a comer e só não lia a dormir porque não podia, mas tinha a certeza que esse tempo era utilizado para organizar informação na sua cabeça.
Devia ter começado a falar sozinho, melhor, com o livro que lhe servia de máscara em cada dia, mesmo sem se aperceber. Ou talvez fosse a primeira vez...O que é certo é que naquele dia, enquanto comia (e lia, claro) lhe saiu a interrogação:
- Será que intelectual de esquerda é uma redundância?
- O que é isso, de esquerda? - perguntou desinteressado o filho
- O que é redundância? - perguntou áspera a mulher
Retirou por momentos o livro da frente do rosto e contemplou os seus interlocutores. Encarou dois rostos incomodados, como se o culpassem de ter saído do seu mundo.
Recolocou a máscara no rosto e utilizou mais uma garfada do prato que estava quase cheio à sua frente."

Porque hoje é Domingo

"Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
- muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
... a um belo poema - ainda que de Deus se aparte -
um belo poema sempre leva a Deus!"

Mário Quintana

sábado, 11 de agosto de 2012

Praia Em Segunda Mão

"Agora dava-lhe para ficar assim...triste, a sentir-se sozinha...sem razão nenhuma.
Não queria admitir, mas tudo isto começara desde que soubera que o João se divorciara. O João era um «rapaz da sua idade» que trabalhava há anos no escritório em frente ao seu. Sempre o achara simpático e «bem apessoado» desde que ele começara a frequentar o mesmo elevador que ela. Mas - a sua ética era sem dúvida essa - o João era casado. Uma ou outra vez tinha-o visto a reunir-se à esposa perto do prédio dos escritórios. Não lhe parecia mal...Tinha uns longos cabelos escuros que exibia abanando com um ar um bocado 'coquette'. Nunca tinha pensado muito sobre a questão. Mas o certo é que quando o encontrava no elevador, nos corredores ou no self-service ali perto não deixava de pensar que a sua presença embelezara o espaço e acrescentara qualidade de vida a quem por ali trabalhava; a ela, pelo menos.
Um dia o João começou a andar desleixado, mal arranjado, olheirento, nervoso. Os «bons-dias» eram mais curtos e formais que o normal e ela accionou um estúpido instinto de proteção que dormia lá dentro, assim, sem ela saber e que voltou a ligar as luzes todas da sua vida.
Ele acabou por conversar um pouco com ela e foi assim que soube que, de facto, o rapaz atravessava uma crise e que o casamento estava por um fio. "Felizmente não temos filhos - murmurou ele como quem faz o inventário dos danos e perdas após uma catástrofe e procura consolar-se com o que não foi destruido." Mas o que é certo é que ele devia gostar muito dela, ou da vida de casado e que não se recuperou facilmente.
Voltou a andar alinhadinho, mas perdeu o brilho. Até o seu perfume matinal - que ela gostav tanto de absorver discretamente no elevador - parecia ter ficado menos fresco, embora fosse o mesmo.
Uma vez ou outra tomavam café juntos, unidos na solidariedade de quem precisa conversar um pouco, mas mais nada para além disso.
Claro que quando ela o «viu» no Facebook não resistiu e pediu-lhe amizade. E ele aceitou, naturalmente.
Não conversavam, mas ela colocava prontamente 'likes' em todas as suas fotos e comentários e de vez em quando recebia também uns de volta.
Assim foi nesta tarde de domingo ensolarada em que ela se levantou do sofá para consultar mais uma vez a página do Face e encontrou uma foto linda de uma praia ali perto que ele acabara de partilhar a partir de um amigo que recolhia a casa depois do sol. "Tu e mais 2 pessoas gostam disto" adicionou o Face depois de digerir o seu 'like'.
Foi surpreendida pelo barulho da chave na porta. Era o filho que voltava da praia. "Estou cheio de sal, mãe - justificou, enquanto evitava o beijo da mãe"; "E de areia também - quase gritou ela - Livra-te de pôr os pés na carpete da sala!"
"Velha rabujenta - acusou ele em tom carinhoso - Toma lá uma bola com creme que te trago. Mas...só ta dou se me prometeres que a próxima vais comer lá na praia. Que coisa essa de ficares aqui! Se não gostas de areia podes ficar na esplanada. Estava cheia de velhos como tu."
O rapaz desapareceu rapidamente na casa de banho e deixou-a com a bola na mão. Desembrulhou-a, deu a primeira dentada. Hum! Ele tinha razão. Que estava ela a fazer em casa? À espera de quê? Sentou-se ao computador e acrescentou mais uns 'likes' em fotos da praia emprestada que o João continuava a 'postar'."

sexta-feira, 10 de agosto de 2012

De tarde

Nesta tarde pardacenta, com um leve toque de embirração, sento-me no sofá e enceto um trabalho há muito adiado.
A casa tem um suave perfume de música celta.
A paisagem vai-se esfumando entre o livro e o caderno de apontamentos.
A caneta desliza leve sobre o papel.
Estou feliz.

"O Mistério da Estrada de Sintra"

Penha - Guimarães

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Com os olhos rasos do meu país

Fogo Preso - Festas Gualterianas em Guimarães, capital europeia da cultura

terça-feira, 31 de julho de 2012

Encontro de Verão

- Olha...eu tinha uma aluna igualzinha a ti, só que era branca.
- Oh, s'tôra! É Verão. É tempo de praia.
Ela estava visivelmente lisongeada, com o cabelo encaracolado, desalinhado e o magnífico bronzeado potenciado pelo vestido branco.
Engraçado...foi uma aluna com que pouco comuniquei: turma muito grande, feitio introvertido, só uma aula por semana. Fico sempre muito honrada e feliz quando vejo que atravessam a rua para me falar, mesmo quando são alunos menos comunicativos.
Dei-lhe uma palmada no ombro e continuei com a brincadeira: - É impossível que não sjam família, são iguais. Se vires por aí a minha aluna dá-lhe um abraço da professora de História e diz-lhe que a praia também é um bom sítio para ler um livro.
Ela sorriu. Eu retomei o meu caminho, do qual, aliás, raramente me desvio.

segunda-feira, 30 de julho de 2012

Afinal de Contas...

"Tal como na América Latina dos anos 80 e 90, a Europa está hoje a ser bombardeada pela apologia dos gestores como os governantes ideais. A direita liberal, a que se junta muito do antigo campo social- -democrata fascinado pelas lendas do new public management, tem sido capaz de fazer vingar a tese de que o Estado tem de ser governado pela mesma lógica das empresas privadas, demonizando o défice e cortando a eito nos serviços públicos (saúde, educação, transportes) e nas políticas sociais. Para essa missão redentora, "os políticos" - e, sobretudo, as exigências da democracia - são descartáveis como "gorduras". A governação, não mais como serviço das populações mas como aplicação dos ditames dos credores, passa a ser empresarializada. E não tardará muito que seja mesmo contratualizada em regime de outsourcing... O horror da política, tão caro aos liberais, é o pórtico para o fim da democracia."
José Manuel Pureza, DN, 18/11/2011

sábado, 28 de julho de 2012

E tudo se resolvia tão bem se eu ganhasse o Euromilhões!

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Registos

Tempo de férias é tempo de arrumações.
Final de ano letivo é tempo de selecionar e arrumar as pilhas de papeis que se acumulam, mesmo numa sociedade quase informatizada, em que os 'no natives' do mundo virtual cometem frequentemente o pecado de duplicar os registos.
Tudo tem de ser relido e avaliado: é importante? vale a pena ficar? em que categoria se arquiva? Ah, já não me lembrava disto! Oh, que raiva; daquela vez que não consegui fazer vingar a minha ideia...Ah, mais um registo que me emociona porque é só meu e revela a dedicação dos meus alunos. Ah...este trabalho não sou capaz de descartar...
Porque a tarefa é morosa e frequentemente penosa nem sempre lhe sou dedicada. Assim este ano tenho vários anos acumulados para avaliar e rasgar, arquivar ou uma qualquer outra solução.
A ideia de que talvez possa mudar de poiso, mesmo que não se concretize, obriga a uma seleção criteriosa do que deve ou não ser guardado...porque eventualmente transportado, pesado, e se inútil...
A ideia vale pelo exercício e pela renovação que tudo isto provoca.
Em termos de filosofia oriental é muito útil para que o chi flua pela casa e não fique estagnado.
Entre o ocidente e o oriente vou aproveitando para orientar melhor este escritório que sofre de uma overdose de papeis e de material de papelaria que, como me fascina muito, acabo por comprar em excesso. Talvez para o ano não necessite de novos dossiers, mas, conseguirei resistir? É sempre tão bom escolher as cores e as formas do novo ano letivo!
De vez em quando saltam do meio dos papeis sérios e profissionais registos pessoais avulsos: um texto que escrevi num tempo morto, uma fotografia tirada por amigos que me foi entregue num dia de trabalho. Cada um destes registos é criteriosamente avaliado, enquadrado no seu contexto e arrumado numa "pilha provisória" que, espera-se, dará origem a um arquivo definitivo.
Demoro-me a pensar na natureza destes registos e assumo por um bocado a visão do historiador (ou até mesmo do biógrafo ou do sociólogo) e concluo que a forma como fazemos - pelo menos como eu faço e guardo os registos - é quase bipolar: os textos são desabafos de momentos menos bons, por vezes quadros de uma negritude assustadora, as fotografias imobilizam sorrisos, reuniões sociais e momentos de lazer, felizes.
Recorrentemente penso no estúpido exemplo que um professor da Universidade nos dava numa cadeira do primeiro ano: se um extraterrestre chegasse à terra e encontrasse uma embalagem de OMO e uma fotografia de alguém sorridente com uns dentes muito brancos, concluiria que comíamos OMO para branquear os dentes. A função do exemplo foi cumprida: não nos esquecermos que a História é interpretação a partir de fontes, dos vestígios que foram deixados e dos apetrechos de que dispomos para os interpretar.
O que pensaria de mim quem abordasse os meus registos? Uma escrita triste e furiosa que não condiz com a felicidade emanada nos momentos registados visualmente...Pensaria que sou duas pessoas? Que sou desequilibrada? Ou pensaria que os registos mostram apenas parcelas de mim? E, se calhar, nenhuma completamente verdadeira...ou todas parcialmente verdade. Como se chega à verdade sobre uma pessoa por aquilo que ela nos deixou de si mesma? Depois de tanta seleção criteriosa...      
Que registos fazemos; que registos deixamos; que registos eliminamos...
Que registo fazemos de nós próprios?

quinta-feira, 26 de julho de 2012

Para que conste

Se me deixares, eu digo



Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente;
E, neste mundo de enganos,
Fala verdade quem mente.
Tu dizes que a minha boca
Já não acorda desejos,
Já não aquece outra boca,
Já não merece os teus beijos;
Mas, tem cuidado comigo,
Não procures ser ausente:
- Se me deixares, eu digo
O contrario a toda a gente.

António Botto (1897-1959)

terça-feira, 24 de julho de 2012

Problema Comum

As minhas férias começam hoje.
Ontem, ao fim do dia, comecei uma tarefa que me está a causar muitos engulhos: procurar um novo apartamento.
O problema é que eu adoro a minha casa (adoro de paixão) e que o único problema que ela tem é estar a ficar velha e precisar de obras que, não sendo complementadas com uma intervenção séria no prédio, vão servir para eu fazer uma despesa muito grande e não ficar bem servida.
Assim, eivada de bom senso, compreendi que deveria procurar novo poiso, mas...quero um igual a este. E não há. Obviamente. Talvez não esteja assim tão eivada de bom senso.
Penso que o que me está a acontecer com a casa, acontece com muitos casamentos: eu não quero um outro equipamento, só queria que o que adquiri não perdesse qualidade.
E parece-me um problema comum, mas sem remédio.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Eu própria duvido disto, mas achei bonito

Não me corte em fatias.
Ninguém consegue abraçar um pedaço.
Me envolva todo em seus braços
e eu serei o perfeito amor.

Mário Quintana
 
Eu própria é uma expressão algo irritante, que me aborrece assim que a profiro...Claro que não há eu imprópria. Eu, sou sempre própria! Porque é que dizemos isto?
 
Esta não é a minha melhor fatia. Poderá ser esquecida no todo do abraço. Talvez um abraço por alguém maior, que me envolva de tal maneira que eu não consiga falar. Aí, talvez fique menos irritante...
 
Mas, bom (bom, mesmo) era que me  abraçasse de tal maneira que eu não conseguisse pensar.
Só por um bocadinho, pronto.
Mas era...

sábado, 14 de julho de 2012

É a que nos salva...Ainda funciona?

SÊ O MELHOR DO QUE QUER QUE SEJAS

Se não podes ser um pinheiro no topo do outeiro
... Sê um matagal, em baixo, no vale
Mas sê o mais denso da margem do ribeiro
Sê um arbusto, se não puderes ser a árvore mãe
E se arbusto for impossível, sê a relva do caminho
A fazer mais feliz quem lá vem.
Se não podes ser peixe grande, mas apenas peixe do rio
Sê o peixe mais vivo e fugidio.
Não podemos ser todos capitães, temos que ser tripulação
Algo nos espera, é certo.
Tarefas não faltam, o trabalho é que é pouco
Comecemos pelo que está mais perto.
Se não podes ser auto-estrada, sê um caminho
Se não podes ser o sol, sê uma estrela.
Se ganhas ou perdes, não é pelo pergaminho
Sê o melhor do que quer que sejas

DOUGLAS MALOCH, in BE THE BEST OF WHATEVER YOU ARE (The Scott Dowd Co., Chicago, 1926), tradução de CARLOS CAMPOS

Encontrei este poema no Facebook e lembrei-me que eu costumava dizer uma coisa semelhante aos meus alunos quando terminavam o 9º ano: "Sejam limpa-chaminés ou ministros da economia, sejam os melhores daquilo que fazem. Porque não pode haver boas reuniões à lareira, para tomar boas decisões (em economia, por exemplo) se as chaminés não estiverem bem limpas. Tudo se complementa e não há profissões mais ou menos importantes, pena é que os ordenados não reflitam isso. Por isso: escolham com o coração a vossa profissão e desempenhem-na sempre com o máximo de empenho e qualidade." Qualquer coisa assim...
Os exemplos eram de facto sempre estes: o limpa-chaminés e o ministro da economia; o que, só por si, poderia dar um interessante estudo sobre as razões (conscientes e inconscientes) desta escolha, os valores que lhe estão subjacentes, os conceitos de classe, profissão, etc.
De repente, tive um sobressalto: Eu este ano não lhes disse isto!
Depois, sosseguei-me: Eu este ano não tinha 9º ano. Não me "despedi" verdadeiramente deles.
Mas é que ficaram tantas sensações amargas este ano...
Não é a melhor altura para decidir isto, porque estou exausta e desesperada ainda com as tarefas burocráticas, mas creio que este terá sido o ano mais difícil que tive ao nível profissional.
Ontem chegou um mail do SPGL a anunciar todas "as pioras" que chegarão no ano que vem...que é já daqui a nada.
Senti que não tinha capacidade para as compreender e encaixar.
Não aguento muito mais.
Sinto que fui enganada e que uns ministros que têm cursos com 10 e 11 no seu currículo estão a tentar formatar este país à sua imagem. Que visão aterradora!
Não sei o que vou fazer. Queria voltar a ser a professora que dá atenção aos seus alunos: mas eles são tantos que eu verdadeiramente não os conheço, não os distingo...Está tudo tremendamente errado. A informática que deveria deixar-nos tempo para outras coisas veio atulhar os dias (e as noites, e os fins de semana)  de mails com instruções e tarefas que, se não matam árvores, destroem vocações.
Sinto-me sufocada.
Qualquer memória de uma desatenção para com um aluno me põe em lágrimas.
Tenho muito medo pelo ano que vem. E eu costumava ser uma pessoa de coragem.
Talvez o poema, aqui guardado, me ajude a não me esquecer que tudo isto teve um princípio muito bonito, que é preciso recordar, não perder de vista, revisitar...
E é sempre a Esperança.